Epidemias e
Sistemas Complexos

Nos últimos anos, com a pandemia de covid-19, as páginas de jornais, revistas e sites de internet foram tomadas por números, gráficos e linhas de tendência de evolução da doença. Querendo saber quando a pandemia seria controlada, todos passamos a acompanhar, diariamente, os números de casos e mortes provocados pelo coronavírus. Essas projeções só foram possíveis graças a trabalhos interdisciplinares. Nesse cenário, a colaboração de infectologistas, biólogos e físicos levou à criação de modelos matemáticos capazes de prever cenários possíveis, como a evolução de mortes, taxas de recuperação de pessoas doentes ou o efeito da vacinação no controle da pandemia.

O coronavírus é uma doença infectocontagiosa. Esse tipo de doença é caracterizada por ser transmitida por algum agente que, nesse caso, é um vírus, o SARS-CoV-2,  mas doenças infectocontagiosas podem ser transmitidas, também, por bactérias, fungos e parasitas. A transmissão dessas doenças pode ser direta, com o contato com o agente, ou através de um vetor, por exemplo um mosquito Aedes aegypti, que é responsável pela transmissão da dengue. Quando o número de casos de uma doença, infectocontagiosa ou não, aumenta muito rapidamente em determinada região, o processo passa ser considerado uma epidemia, e se esse aumento de casos romper barreiras geográficas, afetando diferentes países e regiões, a doença passa então a ser considerada pandemia. Uma pandemia é desencadeada pela relação entre diversos fatores: pela forma de transmissão, pela disponibilidade de tratamento e vacinas, pelo comportamento da população, pela resposta do governo à doença, etc.

Como é possível notar, o surgimento e a duração de uma epidemia (ou de uma pandemia) depende de diversos componentes microscópicos, como os agentes transmissores das doenças (vírus e bactérias), e macroscópicos, como as ações da sociedade para frear seu avanço. Não é fácil prever os comportamentos desses componentes, nem compreender completamente como as ações de um afetarão as ações do outro. Por esses motivos, as epidemias são outro exemplo de sistemas complexos.

Sua complexidade envolve a capacidade de adaptação e o surgimento de novas formas de se comportar, como foi possível presenciar com as variantes ômicron e delta do coronavírus, o que torna urgente a busca por técnicas que permitam prever os possíveis desdobramentos da doença. Isso faz com que pesquisadores de diferentes áreas das ciências, em particular físicos, se envolvam em estudos epidemiológicos, aplicando métodos de modelagem de sistemas dinâmicos e mecânica estatística, para analisar e tentar prever possíveis cenários futuros.

Entender como uma doença está se desenvolvendo em determinada região pode ajudar em seu controle, para que não se torne uma epidemia. Nesse processo, os pesquisadores fazem uso de modelagem, que é a representação matemática de um sistema. Na modelagem são usadas diferentes técnicas computacionais e de mecânica estatística para criar modelos que podem ajudar a prever possíveis cenários futuros.

O Brasil conta com vários grupos de pesquisa no campo, que atuam nos estudos epidemiológicos desde antes da pandemia de Covid-19. O interesse em estudar sistemas vivos levou a pesquisadora Suani Tavares Rubim de Pinho, da Universidade Federal da Bahia, a trabalhar com o estudo da dinâmica e controle de propagação de doenças transmissíveis. Em suas pesquisas, uma de suas principais ferramentas é a construção de modelos que procuram descrever diferentes situações possíveis.

Modelos não são teorias, assim como não são a expressão perfeita da realidade. No entanto, buscamos utilizá-los para descrever, de forma aproximada, situações reais e examinar cenários hipotéticos através de simulações computacionais; na nossa pesquisa temos buscado descrever epidemias ocorridas no Brasil.
Suani Tavares Rubim de Pinho
Pesquisadora do Instituto de Física da UFBA

Em um dos trabalhos, o grupo analisa como deveria ser a distribuição de vacinas da dengue em 10 cidades brasileiras, para controlar a epidemia, considerando um número limitado de vacinas disponíveis. No contexto da epidemia de  Covid-19, o grupo estudou o impacto do distanciamento social na ocupação de leitos hospitalares, com foco na primeira onda da epidemia no estado da Bahia, levando em conta o papel dos indivíduos assintomáticos na dinâmica de  transmissão da doença.

O pesquisador da Universidade Federal de Viçosa, Silvio da Costa Ferreira Junior destaca a importância do uso de modelagem no combate às epidemias: “a modelagem, seja ela computacional ou não, é uma ferramenta para se fazer previsões quantitativas quer seja de possíveis cenários futuros, dado uma situação atual conhecida, ou para entender a situação atual que permite obter informações que não são disponíveis em bancos de dados e sistemas de vigilância epidemiológica. Essas informações são fundamentais para auxiliar a tomada de decisão do poder público tal como determinar o número de leitos conforme a expansão da doença, a restrição de aglomerações com regras mais rígidas e a exigência de medidas não farmacológicas, como por exemplo o uso de máscara de proteção facial se tornaram muito populares nos últimos dois anos”. 

Uma das formas de desenvolver modelos para o estudo de doenças é através da análise de séries temporais que representam, por exemplo, o número de casos da doença em intervalos de tempos regulares, dia a dia ou semana a semana. Esses dados ajudam a compreender os ciclos de determinadas doenças,  como é o caso de doenças sazonais, que ocorrem em períodos específicos do ano, quando há muita chuva, ou muito frio, por exemplo. Conhecendo esse ciclo, é possível prever quando ocorrerá o aumento do número de pessoas infectadas, além de permitir a criação de modelos simples, que auxiliem no desenvolvimento de políticas públicas, caso as chuvas ou o frio ocorram em outros momentos do ano.

Para construir um bom modelo matemático é necessário um trabalho conjunto para a obtenção dos dados necessários.

Um gargalo muito importante para fazer previsões precisas sobre epidemiologia é a gente ter acesso a dados precisos e disponibilizados no tempo correto, ou seja, têm que ser disponibilizados rapidamente. Isso não é possível sem um sistema de vigilância epidemiológica eficiente e também sem dados censitários precisos e atualizados, o que não foi exatamente o caso da epidemia de covid-19 no Brasil em 2020 e tampouco tem sido agora nos últimos tempos
Silvio Ferreira Junior
Pesquisador do Instituto de Física da UFV

Para construir um bom modelo matemático é necessário um trabalho conjunto para a obtenção dos dados necessários. Nesse contexto, o acesso a dados abertos e atualizados é essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico, não apenas em relação à Covid-19 mas, também, em relação a outras doenças e demais questões de interesse social e científico. Nesse sentido, em 2020, a Fiocruz lançou a plataforma “Monitora Covid-19”, na qual disponibiliza, em um só lugar, dados sobre a pandemia no Brasil. “Estas informações possibilitam desenvolver modelos preditivos adequados à realidade nacional, capazes de informar ações de contenção e tratamento. Permitindo o monitoramento da epidemia por gestores da saúde pública, sociedade civil e imprensa, e análises para o fortalecimento da capacidade do estado brasileiro, de acordo com a realidade das suas distintas unidades espaciais”. (Fiocruz)

Reportagem: Ana Luiza Sério (ICTP-SAIFR), Malena Stariolo (ICTP-SAIFR), Yama Chiodi (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Daniel Stariolo (IF-UFF);
Edição: Malena Stariolo (ICTP-SAIFR).

SIGA-NOS NAS REDES SOCIAIS

SIGA-NOS NAS REDES SOCIAIS

SIGA-NOS NAS REDES SOCIAIS

COMPARTILHE!

logos