GRANDES EXPERIMENTOS

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Investigando a matéria: a física de partículas no CERN

Dividir a matéria em seus componentes fundamentais não é um feito pequeno. A única maneira de acessar o mundo das partículas elementares, muitas vezes, é destruindo as partículas compostas que as contém, por meio de processos que requerem quantidades colossais de energia. É por isso que, por muitas décadas, físicos e físicas obstinados a compreender o mundo subatômico eram, em certo sentido, obrigados a viver daquilo que a natureza lhes dava. Desde o início da física de partículas, os raios cósmicos eram a melhor opção de que dispunham para ter acesso a processos capazes de gerar partículas energéticas o suficiente para, em uma colisão, quebrar os vínculos que mantêm prótons e nêutrons coesos. Os primeiros aceleradores de partículas surgiram na década de 1930, no entanto, suas energias não chegavam próximas àquelas obtidas por raios cósmicos, o que limitava os experimentos e, por consequência, os possíveis resultados.

Dentro de aceleradores, partículas são impulsionadas até velocidades próximas à da luz, quando se chocam umas com as outras, dando origem a novas partículas. O evento é, então, captado por detectores, que são capazes de registrar grande parte dos desdobramentos da colisão — dados que, posteriormente, são analisados por cientistas na busca pela compreensão dos mecanismos mais básicos do universo. A dependência por equipamentos cada vez mais sofisticados faz com que a física de partículas experimental ande lado a lado com o desenvolvimento tecnológico de ponta, que avança a passos cada vez mais largos à medida que o fazer científico se torna um fazer colaborativo.

Na década seguinte à descoberta do méson pi, países europeus se mobilizaram para criar um laboratório internacional de pesquisa em física nuclear: da iniciativa, nasceu o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), em 1954, localizado na cidade de Genebra, na Suíça. O primeiro acelerador do CERN voltado para estudos em física de partículas foi criado em 1959 e, desde então, o centro europeu viria a abrigar muitas dessas grandes máquinas ao longo de sua história. Em 2008, foi fundado o famoso Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla inglesa), que ocupa até hoje a posição de maior e mais potente acelerador de partículas do mundo, operando em um túnel subterrâneo circular de 27 quilômetros de comprimento, entre as fronteiras da França e da Suíça. No LHC, quatro grandes detectores construídos com propósitos distintos monitoram as colisões de partículas, — seus nomes são ATLAS, CMS, ALICE e LHCb — provendo dados para cientistas de centenas de instituições ao redor do mundo, entre elas do Brasil.

Passe para o lado para saber mais sobre o funcionamento de aceleradores.

Passe para o lado para saber mais sobre o funcionamento de aceleradores. Para uma melhor visualização, deixe o celular na horizontal.

Marco Leite é professor do Instituto de Física da USP, em São Paulo, e um dos pesquisadores brasileiros colaboradores no experimento ATLAS. “O LHC é o maior e mais complexo conjunto de experimentos científicos já concebidos pela humanidade. É um privilégio poder participar de um destes experimentos. Sua complexidade e a fronteira do conhecimento a ser explorada em física de partículas só é possível via uma organização como a que vemos no LHC. Entretanto, essa linha de pesquisa exige um planejamento científico de longo prazo: 20, 30 anos ou mais. O que é hoje o ATLAS começou a ser discutido há 26 anos atrás. Se considerarmos que talvez o LHC opere por mais 25 anos, serão mais de 50 anos de um programa científico! Um único programa onde não um grupo, mas gerações de cientistas participaram e deram a sua contribuição”, considera o professor.

O ATLAS (sigla inglesa para “Um Aparato Toroidal do LHC”) é um de dois detectores do LHC que serve para propósitos múltiplos, ele é capaz de observar, medir e armazenar dados sobre diversos tipos de eventos que ocorrem dentro do acelerador, atendendo às necessidades de pesquisas de diversos campos. O trabalho do professor Marco Leite está diretamente envolvido com o desenvolvimento de técnicas experimentais e instrumentação para a física de partículas:

No ATLAS eu trabalho tanto com os sistemas de detecção de partículas, quanto na análise dos dados. Um desses sistemas de detecção é responsável pela medida da energia das partículas, sua direção e "tipo" - por exemplo, se a partícula for um elétron ou um fóton, ela se comporta de forma diferente no detector, e podemos inferir sua natureza a partir desse comportamento.
Marco Leite
Professor e pesquisador do IFUSP
O CMS (“Solenoide Compacto de Múons”, em português) é o outro detector multipropósito do LHC. A versatilidade destes dois detectores permite que sejam utilizados desde em testes do Modelo Padrão da Física de Partículas até na busca por matéria escura. “Como o próprio nome diz, ele [o CMS] é mais dedicado, ou especializado, na detecção de múons, mas é capaz de detectar qualquer tipo de partícula que seja produzida no detector”, explica Sérgio Novaes, professor do Instituto de Física da UNESP, que atualmente lidera o grupo de pesquisadores de São Paulo no CMS. “Esses dois detectores [ATLAS e CMS] foram os responsáveis pela descoberta do bóson de Higgs, e hoje em dia estão na frente da exploração de novos fenômenos que vão além das previsões do Modelo Padrão”, conta Novaes.

O que são neutrinos?

Ettore Segreto (IFGW-UNICAMP)

O CMS (“Solenoide Compacto de Múons”, em português) é o outro detector multipropósito do LHC. A versatilidade destes dois detectores permite que sejam utilizados desde em testes do Modelo Padrão da Física de Partículas até na busca por matéria escura. “Como o próprio nome diz, ele [o CMS] é mais dedicado, ou especializado, na detecção de múons, mas é capaz de detectar qualquer tipo de partícula que seja produzida no detector”, explica Sérgio Novaes, professor do Instituto de Física da UNESP, que atualmente lidera o grupo de pesquisadores de São Paulo no CMS. “Esses dois detectores [ATLAS e CMS] foram os responsáveis pela descoberta do bóson de Higgs, e hoje em dia estão na frente da exploração de novos fenômenos que vão além das previsões do Modelo Padrão”, conta Novaes.

O que são neutrinos?

Ettore Segreto (IFGW-UNICAMP)

Formulado ainda nos anos 1960, esse modelo permitiu a previsão teórica da existência de certas partículas que, pouco a pouco, foram provadas reais, principalmente por meio de experimentos realizados em diferentes aceleradores de partículas pelo mundo. A última das partículas previstas pelo modelo a ser detectada foi o famoso bóson de Higgs. “Essa partícula foi buscada por quase 50 anos, não tendo sido encontrada até 2012, quando o ATLAS e o CMS, juntos, anunciaram em uma conferência em Melbourne, sua descoberta”, relata o pesquisador. “A busca e a descoberta do Higgs foi um enorme passo para a física de partículas. Ela fez com que o Modelo Padrão se estabelecesse de forma muito clara, muito segura, explicando bastante bem praticamente todos os dados que nós conhecemos da área, envolvendo interações fortes, fracas e eletromagnéticas”.
Formulado ainda nos anos 1960, esse modelo permitiu a previsão teórica da existência de certas partículas que, pouco a pouco, foram provadas reais, principalmente por meio de experimentos realizados em diferentes aceleradores de partículas pelo mundo. A última das partículas previstas pelo modelo a ser detectada foi o famoso bóson de Higgs. “Essa partícula foi buscada por quase 50 anos, não tendo sido encontrada até 2012, quando o ATLAS e o CMS, juntos, anunciaram em uma conferência em Melbourne, sua descoberta”, relata o pesquisador. “A busca e a descoberta do Higgs foi um enorme passo para a física de partículas. Ela fez com que o Modelo Padrão se estabelecesse de forma muito clara, muito segura, explicando bastante bem praticamente todos os dados que nós conhecemos da área, envolvendo interações fortes, fracas e eletromagnéticas”.
Apesar de ser uma das mais bem sucedidas teorias da Física, sabe-se que o Modelo Padrão da Física de Partículas é incompleto. Por isso, pesquisadores em todo o mundo estão à procura de algo chamado de “Física Além do Modelo Padrão” ou “Nova Física”, um avanço que complemente as deficiências do modelo e abra espaço para um desenvolvimento maior da teoria, sem entrar em conflito com o que já se conhece e sabe-se que funciona. Uma das lacunas do modelo é a natureza da matéria escura: esse tipo de matéria recebe o nome do fato de não interagir com radiações eletromagnéticas, isto é, não emitir ou refletir luz – resultando em um tipo de matéria, essencialmente, invisível, e extremamente difícil de detectar. Esse estranho comportamento, no entanto, não é o que mais chama a atenção de cientistas, mas sim o fato de que hoje é sabido, por meio de medições astrofísicas, que a proporção de matéria escura existente no Universo é, na realidade, muito maior do que a da matéria ordinária – aquela descrita pelo Modelo Padrão, e que compõe estrelas, planetas, e todos os tipos de objetos que à primeira vista parecem preencher o cosmos à nossa volta.
Em geral, a ciência não gosta muito de um sucesso perene, porque o avanço da ciência se dá exatamente em tentar avançar para além do que se sabe. Não se avança para além do que se sabe se nos acomodamos com um modelo que funciona bastante bem.
Sérgio Novaes
Professor do Instituto de Física da UNESP e colaborador do CMS.
De acordo com Novaes, a atual agenda do LHC consiste em buscar processos que vão para além das predições do modelo padrão, e é com isso que seu grupo tem trabalhado no CMS. O pesquisador considera que a matéria escura seja, hoje em dia, um dos mais importantes desafios não apenas da física de partículas, mas de toda a ciência. “Caso conseguíssemos detectar algum tipo de sinal dela, seria um avanço tremendo para diversas áreas”, afirma o cientista.

Além de pesquisas na busca por matéria escura, o grupo do professor Novaes estuda colisões de prótons e de íons pesados no LHC, e também trabalha com o desenvolvimento de instrumentação científica. “Nós temos trabalhado no Tracker, que é o primeiro detector após a colisão das partículas – um detector bastante sofisticado tecnicamente. O nosso grupo de engenheiros têm trabalhado nessa área e nós fazemos há vários anos o processamento e armazenamento de dados para o CMS aqui em São Paulo.”
De acordo com Novaes, a atual agenda do LHC consiste em buscar processos que vão para além das predições do modelo padrão, e é com isso que seu grupo tem trabalhado no CMS. O pesquisador considera que a matéria escura seja, hoje em dia, um dos mais importantes desafios não apenas da física de partículas, mas de toda a ciência. “Caso conseguíssemos detectar algum tipo de sinal dela, seria um avanço tremendo para diversas áreas”, afirma o cientista.

Além de pesquisas na busca por matéria escura, o grupo do professor Novaes estuda colisões de prótons e de íons pesados no LHC, e também trabalha com o desenvolvimento de instrumentação científica. “Nós temos trabalhado no Tracker, que é o primeiro detector após a colisão das partículas – um detector bastante sofisticado tecnicamente. O nosso grupo de engenheiros têm trabalhado nessa área e nós fazemos há vários anos o processamento e armazenamento de dados para o CMS aqui em São Paulo.”
Outro experimento que compõem o complexo de detectores do LHC é o ALICE (sigla inglesa para “Um Grande Experimento de Colisão de Íons”), dedicado ao estudo da matéria em condições extremas de energia, onde ela assume um estado chamado Plasma de Quarks e Glúons. Acredita-se que o Universo teria sido composto por uma mistura absurdamente quente e densa de partículas, durante uma fração de segundo após o Big Bang. Essa mistura seria composta principalmente por diversos tipos de quarks – partículas fundamentais da matéria – e glúons – os responsáveis por unir quarks uns aos outros, para então formar partículas como os conhecidos prótons e nêutrons, que compõem os átomos. Quarks e glúons são partículas que interagem fortemente entre si, e normalmente não podem ser observadas individualmente, apenas confinadas dentro de partículas compostas. Entretanto, no estado de Plasma de Quarks e Glúons a interação entre essas partículas é enfraquecida, e é possível observá-las movendo-se com liberdade.

Maria Beatriz Gay Ducati, do Instituto de Física da UFRGS, no Rio Grande do Sul, coordena um grupo de pesquisadores brasileiros em colaboração com o experimento ALICE. Ela explica: “O Plasma de Quarks e Glúons é um estado da matéria no qual estes constituintes não estão interligados formando partículas mensuráveis. Entende-se como um estado da matéria do início do Universo algo anterior a quando estes componentes se agruparam, dando origem às partículas. É um estado importante no estudo das etapas de evolução do Universo primordial”. Em sua pesquisa, a professora investiga a dinâmica de glúons, estudando o comportamento dessas partículas na formação de méson massivos, desenvolvendo descrições matemáticas de seu comportamento em condições extremas, e analisando sua produção no experimento ALICE.

O grupo liderado por Gay Ducati na UFRGS está envolvido no desenvolvimento de um novo instrumento para o ALICE, o Muon Forward Tracker (MFT). “Ele vai medir múons a pequenos ângulos antes não alcançados, e deverá contribuir para obter dados de eventos difrativos, importantes para complementar a descrição do comportamento dos glúons”. O MFT está atualmente em fase de conclusão e instalação, e a expectativa é que esse novo detector aumente a precisão do ALICE nas medidas de propriedades do Plasma de Quarks e Glúons, abrindo espaço para novas medições.

O nosso trabalho no ALICE permite ter a chance de tentar responder perguntas fundamentais da fronteira conhecimento. Além disso, a participação também permite aos nossos alunos e colegas ter uma experiência única, em trabalhar uma grande colaboração internacional junto com pesquisadores do mundo todo.
Jun Takahashi
professor do Instituto de Física da Unicamp e colaborador do ALICE
Assim como esse experimento, o LHCb (Large Hadron Collider beauty) – o último dos quatro grandes detectores presentes no Grande Colisor de Hádrons – possui um propósito de pesquisa mais específico do que o ATLAS ou o CMS: investigar a fundo a disparidade na relação entre matéria e antimatéria. Para entender o que isso significa, em primeiro lugar é preciso ter em mente que partículas de antimatéria são objetos quase idênticos aos seus respectivos pares de matéria – por exemplo, os anti-elétrons, que também são chamados de pósitrons, são equivalentes a elétrons, mas com algumas propriedades, como a carga elétrica, opostas. No início do Universo, imagina-se que matéria e antimatéria tenham sido criadas em quantidades equivalentes, no entanto, o que vemos hoje é um mundo composto quase que inteiramente por matéria. As investigações conduzidas no LHCb têm o objetivo final de compreender o porquê dessa diferença.
A pesquisadora Jussara Miranda, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, integra um grupo que faz parte do LHCb e trabalha no estudo sobre a chamada violação de CP. “CP, ou ‘carga-paridade’, é a operação de simetria que leva partículas a antipartículas e vice-versa. Quando se fala em violação de CP, se fala em partículas tendo um comportamento diferente de antipartículas”, explica a pesquisadora. Em outras palavras, a violação de CP é a própria assimetria observada entre os comportamentos de matéria e antimatéria no Universo. O Modelo Padrão é capaz de prever uma violação de CP, bem como experimentos são capazes de reproduzir esse efeito, porém, em nenhum dos dois casos, a assimetria observada é capaz de reproduzir as proporções observadas em escalas cósmicas.
A pesquisadora Jussara Miranda, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, integra um grupo que faz parte do LHCb e trabalha no estudo sobre a chamada violação de CP. “CP, ou ‘carga-paridade’, é a operação de simetria que leva partículas a antipartículas e vice-versa. Quando se fala em violação de CP, se fala em partículas tendo um comportamento diferente de antipartículas”, explica a pesquisadora. Em outras palavras, a violação de CP é a própria assimetria observada entre os comportamentos de matéria e antimatéria no Universo. O Modelo Padrão é capaz de prever uma violação de CP, bem como experimentos são capazes de reproduzir esse efeito, porém, em nenhum dos dois casos, a assimetria observada é capaz de reproduzir as proporções observadas em escalas cósmicas.

Reportagem: Ana Luiza Sério (ICTP-SAIFR), Artur Alegre (ICTP-SAIFR), Malena Stariolo (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Rogerio Rosenfeld (ICTP-SAIFR/IFT-UNESP);
Edição: Malena Stariolo (ICTP-SAIFR).

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