Na época, uma das grandes questões da Física estava intimamente ligada à existência do próprio átomo, cujo núcleo é formado por prótons e nêutrons: como essas partículas poderiam manter-se unidas no núcleo? Prótons possuem cargas positivas, e portanto deveriam se repelir, enquanto nêutrons não possuem cargas positivas nem negativas, portanto não contribuem para a interação. Para explicar este dilema, o físico japonês Hideki Yukawa propôs a teoria para a existência de uma nova partícula, o méson pi, na década de 1930. Essa partícula seria responsável por mediar a interação entre prótons e nêutrons dentro do átomo, permitindo que permaneçam unidas. No final da década seguinte, a existência do méson pi seria comprovada graças a um trabalho que contou com o protagonismo do físico curitibano César Lattes.
As repercussões da descoberta, no entanto, não terminaram por aí. Na mesma época, o então maior acelerador de partículas do mundo, construído na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, passava por problemas. Esperava-se que a máquina milionária fosse capaz de gerar partículas subnucleares, tais como o méson pi, por meio da colisão entre partículas maiores. No entanto, nada do tipo era encontrado. No ano seguinte à descoberta em Bristol, Lattes dirigiu-se para Berkeley carregando consigo uma leva das emulsões modificadas e toda a técnica e conhecimento acumulados no assunto, esperando detectar a existência de mésons também no acelerador norte-americano. Lattes e o físico estadunidense Eugene Gardner trabalharam juntos, com grandes expectativas, na busca pelos mésons, e o resultado veio sem delongas: os rastros deixados nas emulsões pelas partículas do acelerador logo denunciaram a presença de mésons. A recém descoberta partícula subnuclear gerada na natureza pela colisão de raios cósmicos, agora também era comprovadamente gerada em máquinas criadas pela ciência. Esse evento ganhou grande repercussão internacional, mostrando a viabilidade de se estudar partículas subatômicas com o uso de aceleradores, e impulsionando o uso destas máquinas em pesquisas físicas pelas décadas seguintes.
Neste ponto César Lattes possuía apenas 24 anos de idade, e sua participação crucial em dois eventos transformadores para a Física num período tão curto de tempo já o haviam tornado um físico de renome internacional. Este foi o empurrão que a ciência brasileira precisava. No Brasil, a repercussão política dos feitos de Lattes estimulou a consolidação de diversos projetos nacionais relacionados à ciência, como a criação, em 1949, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do qual Lattes foi o primeiro diretor. Além disso, a década seguinte foi marcada pelo surgimento de instituições ligadas às áreas de pesquisa, educação e fomento à ciência, como o Conselho Nacional de Pesquisas (atual CNPq) e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (atual CAPES). O entusiasmo científico também levou ao surgimento de uma colaboração entre Brasil e Bolívia, da qual resultou a construção de um laboratório dedicado à pesquisa em raios cósmicos em Chacaltaya, e após uma troca de cartas entre Yukawa e Lattes no final da década de 1950, também o Japão se juntou à colaboração.
A descoberta de uma pequena partícula foi responsável por catalisar uma transformação no cenário científico do Brasil, bem como transformar a maneira na qual a física de partículas experimental passaria a ser feita no mundo todo pelas décadas seguintes. Na próxima parte deste especial você conhecerá melhor alguns dos grandes experimentos internacionais da Física de Partículas com os quais o Brasil colabora atualmente, com relatos de alguns dos pesquisadores e pesquisadoras brasileiros envolvidos nestes projetos.
Reportagem: Ana Luiza Sério (ICTP-SAIFR), Artur Alegre (ICTP-SAIFR), Malena Stariolo (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Rogerio Rosenfeld (ICTP-SAIFR/IFT-UNESP);
Edição: Malena Stariolo (ICTP-SAIFR).