De acordo com material cedidos por João dos Anjos, pesquisador da CBPF e atual diretor do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, o relacionamento científico entre Brasil e Fermilab remonta a 1983, quando Leon Lederman, então diretor do laboratório, convidou quatro físicos brasileiros para trabalhar em um experimento chamado E-691, que tinha o objetivo de estudar a produção dos já conhecidos quarks charm em colisões de partículas contra alvos fixos. Os quatro jovens físicos — Carlos Escobar, da USP, Alberto Santoro, Moacyr Souza e o próprio João dos Anjos, da CBPF — retornaram ao Brasil dois anos depois, munidos dos conhecimentos adquiridos neste período de intercâmbio, e formaram grupos de pesquisa cujo legado vive ainda hoje em instituições de São Paulo e Rio de Janeiro.
A colaboração entre Brasil e Fermilab apenas se expandiu desde então. Na Universidade Federal de Goiás (UFG), um grupo de pesquisa colabora com o laboratório estadunidense em um experimento voltado para o estudo de neutrinos, o NOvA. Neutrinos são partículas elementares extremamente abundantes no Universo, mas que raramente interagem com outras partículas, o que explica o fato de serem tão difíceis de detectar. Por essa característica, os neutrinos ganharam o apelido de “partícula fantasma”. Ricardo Avelino Gomes, professor do Instituto de Física da UFG, possui experiência trabalhando em diferentes experimentos do Fermilab, e hoje dedica-se ao estudo da física de neutrinos no NOvA. “‘Fantasmas’ porque podem atravessar grande quantidade de matéria sem interagir, como se fossem fantasmas atravessando paredes”, explica o professor, “para detectá-los, nós precisamos de grandes detectores e fontes intensas de neutrinos, sejam provenientes de aceleradores, de reatores nucleares, ou de raios cósmicos”.
Para estudar essas partículas tão elusivas em um acelerador, é necessário criar um feixe incrivelmente intenso, concentrando a maior quantidade de neutrinos possível, e fazê-lo colidir com detectores muito precisos. Isso é o que o experimento NOvA proporciona aos pesquisadores.
Existe uma classificação que divide neutrinos em três diferentes tipos, ou “sabores”, como físicos e físicas também os chamam: neutrinos muônicos, neutrinos eletrônicos e neutrinos tauônicos. É sabido que um mesmo neutrino pode mudar de um tipo para o outro ao longo do tempo, em um comportamento muito peculiar chamado oscilação de neutrinos. O que não se sabe, no entanto, é como esse mecanismo funciona em detalhes. Além disso, não se sabe exatamente definir quais são as massas desses neutrinos, ou a ordem entre elas – isto é, dizer qual neutrino é mais leve e qual é mais pesado. “Os neutrinos têm algumas características curiosas”, diz Avelino Gomes, “e como são extremamente difíceis de se detectar, de se observar, costumamos dizer que eles escondem mistérios. Mas na verdade, o que precisamos são mais medidas, mais observações precisas para poder revelar tais mistérios”. É com isso em mente que o Fermilab tem investido pesadamente em projetos voltados para o estudo dessas partículas nos últimos anos.
Nessa investida, o Fermilab é um dos protagonistas no desenvolvimento do que promete ser o próximo grande experimento para o estudo das partículas fantasmas, o Deep Underground Neutrino Experiment (DUNE). “O DUNE é um experimento fantástico, uma iniciativa que envolve um grande número de cientistas e usará o mais intenso feixe de neutrinos já produzido. Ele será capaz de fazer as mesmas análises que o NOvA, porém com maior precisão”, conta o professor da UFG, que é um colaborador também neste projeto.
Ettore Segreto é um físico nascido na Itália, há cinco anos veio ao Brasil trabalhar como pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e tem hoje um importante papel no consórcio do DUNE. Ele conta mais detalhes sobre o projeto: “O DUNE é uma das maiores colaborações do mundo. O objetivo final do experimento é responder algumas das perguntas ainda em aberto na física de partículas: qual é a origem da matéria? Por que, se no Big Bang matéria e antimatéria foram criadas de maneira simétrica, está sobrando matéria? – por que a antimatéria desapareceu quase completamente? Nós acreditamos que neutrinos poderiam ajudar a responder a essas perguntas. Outro objetivo é detectar neutrinos de origem cósmica, ou seja, produzida na explosão de supernovas, o ato final da existência de uma estrela”. Neste experimento, um feixe de neutrinos extremamente potente será gerado no Fermilab, e viajará pelo subterrâneo por um percurso de cerca de 1300 km de comprimento, até alcançar um detector instalado no Sanford Lab, localizado na Dakota do Sul.
O detector vai preso a uma placa de silício, com uma moldura de cobre.
As placas com detectores CCD são instaladas em uma caixa fria, na foto vemos 14 placas instaladas.
Na imagem vemos o detector CONNIE com sua blindagem parcialmente desmontada. O cilindro no centro segura a caixa de cobre com os detectores CCD e, no topo, estão os componentes eletrônicos de leitura. O detector é envolto por camadas internas e externas de polietileno (em branco) e por uma camada de chumbo (em cinza).
Raios cósmicos são estudados por meio dos chamados “chuveiros de partículas”, um fenômeno que ocorre quando um raio cósmico, vindo em direção à Terra, colide com uma molécula de ar na atmosfera. Da colisão, novas partículas são geradas, que por sua vez colidem com mais moléculas de ar e, em um efeito cascata, são produzidos os “chuveiros”. Através do estudo das partículas intermediárias geradas nesse chuveiro, é possível reconstituir as propriedades do raio cósmico original que desencadeou o efeito. Pensa-se que a maioria dos raios cósmicos que chegam à Terra são gerados em explosões de supernovas que ocorrem dentro da própria Via Láctea. Entretanto, a origem dos raios cósmicos de mais altas energias permanece, em grande parte, um mistério. Em 2007, o Observatório Pierre Auger anunciou um resultado que indica que os raios cósmicos de altas energias podem estar sendo gerados em núcleos ativos de galáxias (AGNs, na sigla em inglês), isto é, núcleos de galáxias que emitem radiação extremamente intensa – especula-se que esse tipo de fenômeno seja causado pela interação entre buracos negros supermassivos no centro dessas galáxias e a matéria nos seus arredores.
“O Brasil teve um papel protagonista muito importante no Observatório Pierre Auger. Vários cientistas brasileiros tiveram papéis muito importantes. Carlos Escobar foi presidente do conselho da colaboração, eu mais tarde também fui presidente durante certo período”, relata o pesquisador Ronald Cintra Shellard, físico brasileiro e atual diretor do CBPF, no Rio de Janeiro. “Nós temos a Carola Dobrigkeit, que há 7 anos preside o conselho editorial do Observatório”, continua o físico. “A contribuição brasileira foi não só em termos da ciência, mas também de toda a tecnologia. Nós construímos uma fração significativa dos detectores que hoje compõem o Observatório, provemos vários equipamentos, mobilizando a indústria brasileira e, com isso, podemos dizer que foi e ainda é um experimento do qual nos orgulhamos muito”.
Reportagem: Ana Luiza Sério (ICTP-SAIFR), Artur Alegre (ICTP-SAIFR), Malena Stariolo (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Rogerio Rosenfeld (ICTP-SAIFR/IFT-UNESP);
Edição: Malena Stariolo (ICTP-SAIFR).