O começo da astronomia como um campo científico

Feche os olhos e imagine que você está no campo, à noite, longe de todas as luzes da cidade, e então você olha para cima. O que você irá ver? Muito provavelmente o brilho das estrelas irá dominar sua visão, talvez seja uma noite de luar, então você também verá esse majestoso astro. Mas o que existe para além do que conseguimos enxergar? O que existe além? O estudo dos astros e a busca do entendimento do Cosmos são atividades quase tão antigas quanto a história da humanidade. Viajantes podiam olhar para cima e ler um mapa nas estrelas, ou na direção do Sol, que iria indicar qual caminho estavam seguindo. Pessoas de diferentes crenças e sociedades tinham nos astros seres divinos que seriam responsáveis pela prosperidade ou pela decadência de nações inteiras.

O Universo sempre despertou medo e curiosidade, não por coincidência influenciou artistas, cientistas e curiosos na criação das mais diversas obras e gêneros ao longo da história. Desde o horror cósmico de Lovecraft, à Ficção Científica das viagens espaciais, até a música e o desenvolvimento da fotografia, a curiosidade sobre o que estava para além do céu azul visível se manteve presente.
Na ciência, a busca por respostas para questionamentos, que chegam a ser até mesmo existenciais, marcou a história da Astronomia e permeia seus estudos até hoje. É aquela velha pergunta, eternizada por Douglas Adams: Qual é o significado da vida, do universo e tudo mais? Quanto mais especializada e desenvolvida a ciência se torna, mais respostas encontramos – entretanto, mais mistérios surgem. Se antes pensadores contavam apenas com a observação minuciosa, o pensamento lógico, e um ou outro aparato para fazer experimentações e anotações, hoje temos satélites em órbita, aceleradores de partículas, viagens espaciais e laboratórios subterrâneos. Entretanto, o objetivo final continua sendo o mesmo: entender a vida, o universo e tudo mais.

Seja de maneira científica ou não, o ser humano sempre foi impelido para correr atrás dessas respostas. No Brasil, a história da Astronomia, como campo científico, tem seu marco inicial a partir de um decreto assinado por D. Pedro I, em 1827, que determinava a fundação do Imperial Observatório do Rio de Janeiro. Após a proclamação da república passou a ser chamado de Observatório do Rio de Janeiro e, em 1908, recebeu o nome de Observatório Nacional, que permanece até hoje. Entretanto, os estudos do Cosmos no Brasil existiam desde antes da invasão europeia. Um dos registros históricos mais importantes a tratar sobre o assunto é a obra de 1614 do padre francês Claude D’Abbeville, que relata os costumes de povos tupinambá que viviam na região do Maranhão, com quem teve contato durante uma viagem missionária em 1612.

No livro, que em 1874 ganhou sua primeira tradução para o português intitulada História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, D’Abbeville apresenta detalhes importantes de conhecimentos astronômicos detidos por aqueles povos, como um conjunto próprio de constelações, sistemas de calendário baseados nos astros, e outros tipos de conhecimentos práticos que afetavam diretamente suas vidas diárias: as ligações entre estações do ano e épocas de colheita, fases da Lua e períodos de caça e pesca, por exemplo. Para os povos indígenas daquela época, suas relações com o céu estavam muito mais ligadas com questões de sua própria sobrevivência do que para os europeus que começavam a chegar em seu território.

Um dos passos iniciais rumo a uma Astronomia científica foi dado em 1639, com a instalação do primeiro observatório do país e do hemisfério sul, no Palácio de Friburgo, em Recife. A construção foi obra do astrônomo e cartógrafo Georg Markgraf (1616-1644) durante a ocupação holandesa. A partir daí o estudo dos astros como atividade científica avançou, durante os dois séculos seguintes, com passos tímidos, para logo dar um salto a partir do Séc. XX, e continuar progredindo de maneira entusiasmada. Em 1919, o Brasil foi palco de um dos eventos astronômicos mais marcantes da história da Física: a observação do eclipse de Sobral. A expedição de ingleses e brasileiros tinha como objetivo fotografar o eclipse para verificar o desvio da luz ocasionado pela gravidade, comprovando a Teoria Geral da Relatividade, de Albert Einstein. A empreitada foi um completo sucesso.

Até então os estudos astronômicos no Brasil estavam intrinsecamente conectados com as atividades do Observatório Nacional, mas isso mudou a partir da década de 60, com o retorno de pesquisadores que tinham se doutorado no exterior. Ao voltarem para o Brasil, os novos doutores participaram da implementação de cursos de pós-graduação, o que efetivou as atividades profissionais de pesquisa astronômica, abrindo portas para o aperfeiçoamento e a internacionalização que cresceriam progressivamente nos próximos anos até os dias atuais.

A alma da nova astronomia brasileira foi certamente a pós-graduação. Isto equivale a dizer que a alma da nova astronomia brasileira foi a formação de pessoas. Prédios, bibliotecas, observatórios, instrumentos e computadores, claro, também são necessários, mas toda essa infraestrutura material só adquire vida através de pessoas.
Oscar Toshiaki Matsuura
na apresentação do livro História da Astronomia no Brasil
Para saber um pouco mais sobre os processos da Astronomia brasileira, seja sobre tópicos de pesquisa, seja em sua internacionalização, o ICTP-SAIFR organizou esse especial multimídia que cobrirá grandes campos da pesquisa astronômica nacional. O objetivo é proporcionar uma viagem pela Astronomia brasileira e pela atividade científica realizada no país. Uma vez por semana será disponibilizado um novo capítulo para que você se aventure por diferentes facetas dos estudos do cosmos. Por meio de vídeos, depoimentos de pesquisadores, imagens, textos e infográficos esperamos aproximar um pouco mais esse campo tão rico de todos que tiverem curiosidade.

O Eclipse de Sobral

Faltam poucos minutos para as 9 da manhã do dia 29 de maio de 1919. Os moradores da pequena cidade de Sobral, no interior do Ceará estão atentos ao céu, ansiosos pelos minutos seguintes. Com a mesma energia e expectativa, talvez até mais, os astrônomos ingleses Charles Davidson e Andrew Crommelin e o brasileiro Henrique Morize e sua equipe, aguardam o tão esperado eclipse. O dia está perfeito, nenhuma nuvem no céu para impedir que seus sofisticados equipamentos registrem o acontecimento.

Com tudo pronto, máquinas acopladas a telescópios, telescópios direcionados para o céu, agora é só esperar. A medida que a lua avança sobre o Sol, o dia começa a transformar-se em noite e, em apenas 5 minutos, a escuridão engoliu a cidade do nordeste brasileiro. Entre uma exclamação de surpresa, a risada de uma criança e as estrelas que passam a ficar visíveis às 9 da manhã, os registros que os cientistas tanto queriam começam a ser obtidos, as fotografias começam a ser tiradas e existe um esforço coletivo para tentar aproveitar cada segundo. A missão é conseguir observar o desvio da rota da luz ao passar pelo Sol, com isso seria possível comprovar a Teoria Geral da Relatividade, proposta por Einstein em 1915. O físico alemão defendia que a massa dos corpos deformava o espaço a sua volta, portanto quando a luz emitida por um astro passasse próxima a uma deformação, ela teria seu percurso alterado: deixaria de ser uma linha reta e sofreria um desvio.

O plano para conseguir comprovar essa ideia seria conseguir fotografar estrelas que estivessem “atrás” do Sol durante um eclipse total. Se as predições de Einstein estivessem corretas, então a luz emitida por essas estrelas deveria sofrer um desvio, que poderia ser registrado nas placas fotográficas. A equipe brasileira também quis aproveitar esse momento único para fotografar a coroa solar, o que poderia ser feito apenas durante um eclipse total, para estudar suas propriedades físicas e químicas.

No fim da expedição os ingleses voltaram para casa com 26 placas fotográficas que registraram um total de 12 estrelas, 7 delas apareceram em todos os registros e foram utilizadas como referência para medir o ângulo do desvio. Em 6 de novembro de 1919 os estudos que comprovaram a Teoria Geral da Relatividade foram apresentados na Royal Astronomical Society, em Londres, fazendo com que o eclipse de Sobral se tornasse um marco na história da Física.

No ano passado comemoramos os 100 anos desse marco histórico e o ICTP-SAIFR organizou diversas atividades de extensão, como cursos, palestras e um evento especial do Ciência em Diálogo. Confira no vídeo ao lado o relato dos palestrantes sobre esse acontecimento!

Reportagem: Ana Luiza Sério, Artur Alegre, Malena Stariolo;
Consultoria Científica:
Roberto Dell’Aglio Dias da Costa;
Edição: Malena Stariolo.

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