A quantização da energia

De acordo com a física clássica, a energia da radiação eletromagnética, isto é, calor e luz, pode variar de maneira contínua, assumindo qualquer valor. A mecânica quântica, porém, afirma que sistemas físicos como átomos e partículas subatômicas só podem absorver ou emitir radiação com certos valores de energia, chamados de quanta (plural de quantum, em latim). 

A quantização da energia foi descoberta inicialmente por Max Planck, estudando um problema conhecido como radiação de corpo negro. Um corpo negro é uma espécie de forno de alta temperatura ideal, cujas paredes são capazes de absorver e emitir perfeitamente radiação eletromagnética. 

Enquanto a física clássica prevê que a radiação ultravioleta emitida por um corpo negro é infinita — algo impossível de acontecer — a mecânica quântica explica corretamente a radiação de corpo negro assumindo que a radiação é absorvida e emitida em passos discretos, com determinados níveis de energia, proporcionais à frequência da radiação.


Em 1894, o físico alemão Max Planck (1858-1947) já era um pesquisador renomado por suas contribuições ao entendimento das leis da termodinâmica, quando começou a trabalhar em um problema que desafiava a física clássica. Naquela época, a indústria siderúrgica tinha interesse em determinar com precisão a temperatura de seus fornos por meio da cor da luz emitida. Em 1900, Planck conseguiu resolver o problema utilizando o modelo teórico da radiação de corpo negro, assumindo pela primeira vez na história a hipótese da quantização da energia.

Inicialmente, Planck considerou a quantização da energia apenas como um artifício matemático para resolver um problema. Mais tarde, porém, ele aceitou sua hipótese como o primeiro passo em direção à teoria da mecânica quântica. Seu trabalho foi reconhecido pelo Prêmio Nobel de Física de 1918.

Embora fosse conhecido por sua postura conservadora, Planck foi um dos primeiros cientistas a reconhecer a importância da teoria da relatividade especial de Albert Einstein. Já em relação à mecânica quântica, o físico manteve-se até o fim da vida cético quanto à sua interpretação probabilística, esperando que um dia surgisse uma teoria mais completa.

Em 1905, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), com apenas 25 anos, levou a hipótese do quantum ainda mais longe. Contrariando todas evidências até o momento de que a luz era uma onda eletromagnética, como descrevia a física clássica, ele deduziu, a partir da teoria do corpo negro de Planck, que a luz seria feita de corpúsculos com energia quantizada. Esses corpúsculos, mais tarde chamados de fótons, permitiram a Einstein explicar o efeito fotoelétrico.

Em 1916, a existência e as propriedades dos fótons foram confirmadas por uma série de experimentos envolvendo o efeito fotoelétrico, conduzidos pelo físico norte-americano Robert Millikan (1868–1953), mesmo ele sendo inicialmente cético quanto à hipótese de Einstein. Por essa descoberta, Einstein recebeu o Prêmio Nobel de Física de 1921 (Millikan, por sua vez, foi premiado em 1923).  

Além disso, Einstein apresentou em 1905 mais outros artigos científicos apresentando ideias revolucionárias, como uma teoria para explicar o movimentação aleatória de corpos microscópicos — o chamado movimento browniano — e a sua teoria da relatividade especial, que resolvia contradições entre a teoria do eletromagnetismo e a mecânica newtoniana, revelando uma nova concepção do espaço e do tempo.

Em 1916,  ele apresentou a teoria da relatividade geral, estendendo a relatividade especial para incluir a força gravitacional. Em 1919, a teoria foi comprovada pela primeira vez pelo astrônomo inglês Arthur Eddington (1882-1944), que registrou o desvio da luz de estrelas  ao passar próximo ao Sol, durante um eclipse solar observado na Ilha Príncipe, na África, e na cidade de Sobral, no Brasil. (Confira nosso especial de Astronomia)

Assim como Planck, Einstein morreu não acreditando que a mecânica quântica pudesse ser uma teoria completa da natureza. Em 1935, ele lançou sua objeção mais importante sobre a teoria, o chamado paradoxo EPR, que confundiu os físicos durante décadas até ser esclarecido por experimentos sobre emaranhamento quântico.

Cada quantum de energia da radiação eletromagnética é carregado por partículas elementares chamadas de fótons, cuja existência foi proposta inicialmente por Albert Einstein. Essas partículas foram descobertas em experiências envolvendo o efeito fotoelétrico. Esse efeito ocorre quando a luz incide sobre uma superfície metálica e faz com que elétrons sejam ejetados. Curiosamente, o número de elétrons emitidos não depende da intensidade da luz, como a física clássica prevê, mas sim da sua frequência. A explicação é que os elétrons são ejetados apenas quando absorvem fótons com uma energia ou frequência específica. 

A quantização da energia também explica a estabilidade dos átomos, demonstrada pela primeira vez por Niels Bohr. Os átomos são compostos de um pequeno núcleo feito de prótons, com carga elétrica positiva, e nêutrons (sem carga), com elétrons de carga elétrica negativa orbitando ao seu redor. Na física clássica, um sistema assim seria impossível, pois as cargas negativas tenderiam a colidir com as positivas. Esse problema desaparece na mecânica quântica, porque os elétrons não podem mudar de órbita de maneira contínua. Eles só podem assumir algumas órbitas com energias específicas. Além disso, os elétrons podem saltar de uma órbita para outra somente quando emitem ou absorvem um fóton com energia correspondente à diferença de energia das órbitas.

Em 1913, o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), então com 28 anos de idade, trabalhava no laboratório do físico neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937), no Reino Unido. Ali, dois anos antes, experimentos de Rutherford revelaram que os átomos possuem um denso núcleo central, ao redor do qual orbitam os elétrons — uma configuração incompatível com a física clássica. 

Bohr propôs que os átomos seriam estáveis se os elétrons pudessem orbitar o núcleo apenas em certas órbitas circulares permitidas, com energias bem definidas. Esse modelo atômico foi bem-sucedido ao explicar as frequências de emissão e absorção de radiação — o chamado espectro do átomo de hidrogênio — sendo Bohr reconhecido pelo Prêmio Nobel de Física de 1922. Ainda que o modelo de Bohr não conseguisse descrever átomos mais complexos, como o hélio, nem prever as probabilidades de transição entre os níveis, seu trabalho teórico apresentou conceitos fundamentais que mais tarde seriam incorporados na teoria moderna da mecânica quântica.

Em 1920, Bohr fundou o Instituto de Física Teórica da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca. Sob sua direção, o instituto logo se tornou o principal centro de desenvolvimento da mecânica quântica no mundo, recebendo físicos visitantes de toda Europa e Estados Unidos para discutir os avanços na teoria, incluindo nomes como Werner HeisenbergWolfgang Pauli e Erwin Schrödinger. Não por acaso, a interpretação da mecânica quântica mais aceita pelos físicos é conhecida como interpretação de Copenhagen.

Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1943, Bohr fugiu da perseguição da Alemanha nazista para os Estados Unidos, onde colaborou com o Projeto Manhattan, que produziu a bomba atômica. A explosão desse tipo de  bomba se baseia no fenômeno da fissão nuclear, descrito pelo chamado modelo de gota líquida do núcleo, desenvolvido por Bohr e o norte-americano John Wheeler (1911-2008) em 1939. Ao final da guerra, Bohr advogou pela cooperação internacional pelo uso pacífico da energia nuclear, envolvendo-se na criação da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN).

Em 1925, o físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) procurava explicar características da emissão e absorção de luz pelos átomos que o melhor modelo atômico da época — criado por Niels Bohr e expandido pelo físico alemão Arnold Sommerfeld (1868-1951) — não era capaz de descrever. Pauli obteve sucesso ao propor duas hipóteses que revolucionaram a física: a existência de uma nova propriedade quântica intrínseca aos elétrons — que mais tarde seria compreendida como o spin — e o seu famoso princípio de exclusão, segundo o qual dois elétrons não podem ocupar o mesmo estado quântico. Por esse trabalho, Pauli foi laureado com o Prêmio Nobel de Física de 1945.

Essas ideias acabaram sendo incorporadas na teoria moderna da mecânica quântica, inicialmente formulada por Werner Heisenberg, também em 1925. Já em outubro daquele ano, Pauli usou a formulação de Heisenberg para calcular com sucesso detalhes do espectro de radiação do átomo de hidrogênio, fornecendo uma das primeiras confirmações teóricas da mecânica quântica.

Em 1927, Pauli formulou a descrição matemática do spin dos elétrons na mecânica quântica. No ano seguinte, a descrição de Pauli foi estendida por Paul Dirac, para levar em conta a teoria da relatividade especial de Albert Einstein.  

Em 1930, diante da aparente violação da conservação de energia em uma transformação radioativa de núcleos atômicos chamada de decaimento beta, Pauli propôs a existência de uma partícula neutra, muito leve e difícil de detectar, que carregaria a energia aparentemente desaparecida. A existência dessa partícula, que viria a ser chamada de neutrino, foi confirmada experimentalmente em 1956.

A quantização da energia, porém, não explica completamente a organização dos elétrons nos átomos. Cada órbita atômica é ocupada apenas por dois elétrons, sendo que cada um deles possui uma propriedade chamada spin, com um valor oposto ao de seu vizinho. Essa é uma consequência do chamado princípio de exclusão, proposto pela primeira vez por Wolfgang Pauli. De acordo com esse princípio, os elétrons nunca ocupam o mesmo estado quântico que seus vizinhos.

Ao longo da década de 1920, após uma série de experimentos investigando o comportamento dos elétrons, os físicos descobriram que além de sua massa e sua carga elétrica, essas partículas possuem mais uma propriedade fundamental, puramente quântica, sem equivalente no mundo macroscópico. Explicada teoricamente por Wolfgang Pauli e Paul Dirac, essa propriedade foi chamada de spin, uma palavra em inglês que significa “giro”.

O físico britânico Paul Dirac (1902-1984) é considerado um dos fundadores da teoria da mecânica quântica. Ainda em 1925, com 23 anos de idade, ele teve acesso ao primeiro manuscrito de Werner Heisenberg apresentando a nova teoria e descobriu relações importantes entre a mecânica quântica e a física clássica. 

Nos anos seguintes, Dirac contribuiu para formular os fundamentos da mecânica quântica de maneira matematicamente precisa. Seu trabalho resultou no livro “Princípios da Mecânica Quântica”, publicado em 1930 e usado até hoje em cursos de pós-graduação.

Em 1928, Dirac descobriu uma equação matemática capaz de descrever o elétron, levando em conta tanto a mecânica quântica, quanto a teoria da relatividade especial de Albert Einstein. A chamada equação de Dirac ajudou a entender a origem do spin do elétron, além de prever a existência de uma partícula idêntica ao elétron, mas de carga elétrica positiva, o pósitron — descoberta experimentalmente em 1932. As contribuições de Dirac à mecânica quântica foram reconhecidas pelo Prêmio Nobel de Física de 1933, compartilhado com Erwin Schrödinger.

O trabalho pioneiro de Dirac sobre a eletrodinâmica quântica ajudou a estabelecer os fundamentos das chamadas teorias quânticas de campos, que combinam a mecânica quântica com a teoria da relatividade especial para explicar o comportamento das partículas elementares e suas interações fundamentais.

Embora o elétron seja uma partícula pontual e não gire realmente, seu spin está relacionado a uma quantidade da física clássica associada a corpos em rotação, conhecida como momento angular. Mas ao contrário da física clássica, o spin de uma partícula como o elétron não pode assumir qualquer valor. Seu valor é constante e sua orientação pode apontar, por exemplo, para cima ou para baixo em relação a um campo magnético.

Wolfgang Pauli e Niels Bohr brincam com um pião. O spin tem características que lembram o giro de um objeto, mas, na verdade, é uma propriedade exclusivamente quântica, sem equivalente no mundo clássico. Crédito: Niels Bohr Archive, Copenhagen

O spin do elétron afeta diretamente como ele interage com campos magnéticos e como os elétrons se organizam dentro dos átomos. Essa propriedade é essencial para explicar fenômenos como os materiais magnéticos e a estrutura da tabela periódica.

Além dos elétrons, outras partículas quânticas também possuem spin. Os núcleos atômicos, por exemplo, possuem spins que podem ser manipulados por técnicas como a Ressonância Magnética Nuclear (RMN).

O valor do spin de uma partícula também determina se ela obedece o princípio da exclusão de Pauli. Partículas spin fracionário, como os elétrons e as demais partículas que constituem a matéria, seguem esse princípio de exclusão e são chamadas de férmions. Já as partículas responsáveis por transmitir as forças fundamentais, como os fótons da força eletromagnética, possuem spin inteiro e não seguem o princípio de exclusão. Chamadas de bósons, tendem a ocupar o mesmo estado quântico sempre que possível.

Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).

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