Embora o Brasil ainda esteja longe de ter seu próprio computador quântico, há grupos de pesquisa nacionais trabalhando nessa direção, desenvolvendo protótipos de hardware quântico. Enquanto isso, outros pesquisadores atuam em estudos teóricos, com o objetivo de melhorar a eficiência da computação quântica em geral, enquanto alguns se dedicam ao desenvolvimento de algoritmos quânticos para a resolução de problemas reais.
Há 20 anos, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), na cidade do Rio de Janeiro, o físico Ivan dos Santos Oliveira utiliza a ressonância magnética nuclear (RMN) em estudos de física fundamental de processamento de informação quântica. Mais recentemente, há cerca de seis anos, seu grupo de pesquisa ampliou sua área de atuação, com a colaboração do físico João Paulo Sinnecker, pesquisador da área de nanotecnologia do CBPF, e do Laboratório de Física de Dispositivos Quânticos do físico Francisco Rouxinol, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2021, a colaboração conseguiu construir os primeiros protótipos de qubits supercondutores no Brasil.
Em paralelo, com apoio do Centro de Pesquisas Leopoldo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobrás, o grupo de pesquisa desenvolveu novos algoritmos quânticos para resolver problemas da indústria de exploração de petróleo. Os algoritmos foram executados nos computadores quânticos das empresas IBM, D-Wave e Rigetti.
As pesquisas do grupo devem ganhar um grande impulso com a inauguração do Laboratório de Tecnologias Quânticas do CBPF. Em processo de instalação desde 2023, o laboratório inaugurado em junho é resultado de um investimento de 30 milhões de reais, feito pelo MCTI, CNPq, Finep, Faperj, Fapesp e Petrobras. Ele está equipado com instrumentos essenciais para fabricar e caracterizar chips quânticos supercondutores, como um refrigerador de diluição e uma máquina evaporadora. O laboratório também tem capacidade para fabricar sensores quânticos à base de centros NV (veja sensores quânticos), além de detectores de fótons para comunicação quântica. “O laboratório será único no Brasil e deverá estar produzindo os primeiros resultados ainda em 2025”, afirma Oliveira.
Na Unicamp, o físico Pierre Louis de Assis e seus colegas desenvolvem outra abordagem para a computação quântica: os processadores fotônicos. O grupo investiga novos materiais para serem usados como fontes de luz capazes de emitir um fóton por vez. O objetivo é enviar esses fótons para dentro de circuitos em chips de silício, nos quais percorrem caminhos que se dividem e se recombinam, processando informação quântica. Tanto as fontes de fótons únicos quanto os circuitos fotônicos exigem técnicas complexas de fabricação, além de refrigeração a temperaturas próximas à do hélio líquido (-269 °C) para funcionarem adequadamente. O objetivo de longo prazo da pesquisa é construir um computador quântico baseado em fótons.
Antes de alcançar um computador quântico universal, capaz de resolver qualquer problema, os circuitos fotônicos podem ser projetados para aplicações específicas. Assis cita estudos que mostram que esses circuitos podem oferecer vantagens na resolução de problemas de aprendizado de máquina e inteligência artificial. Eles também podem ser úteis em áreas como biologia e medicina, por exemplo, para determinar a dinâmica molecular do encaixe entre proteínas.
Uma das áreas pesquisadas pelo físico Felipe Fanchini, da Unesp de Bauru, é o uso da computação quântica no aprendizado de máquina. “Na realidade, ainda não temos uma performance superior ao aprendizado de máquina clássico”, ele explica. Existe, porém, a expectativa de que seja possível explorar o enorme volume dos espaços matemáticos de alta dimensão que descrevem os estados quânticos dos qubits para processar dados de forma mais eficiente do que os computadores clássicos. “Mas é importante enfatizar que isso ainda é apenas uma perspectiva”, diz Fanchini, que também estuda dinâmicas em sistemas quânticos abertos e proteção de informação quântica, sendo cofundador de uma empresa startup de computação quântica, a QuaTI.
No Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o grupo liderado pelo físico Rafael Chaves se dedica especialmente aos fundamentos da mecânica quântica. Uma de suas linhas de pesquisa busca entender as relações de causa e efeito dentro desse contexto, com possíveis aplicações em aprendizado de máquina e inteligência artificial.
Chaves e seus colegas também têm realizado pesquisas mais aplicadas em computação quântica. Recentemente, sua equipe desenvolveu um algoritmo quântico variacional — uma abordagem híbrida que combina processamento clássico e quântico — para analisar eletroencefalogramas de diferentes pessoas. Em alguns casos, o algoritmo quântico conseguiu prever com maior precisão do que um algoritmo clássico se uma pessoa estava acordada ou não.
Motivado pelas enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em 2024, o grupo de Chaves também está desenvolvendo algoritmos quânticos para a predição de enchentes. Esse tipo de previsão já é feito com bons resultados por algoritmos clássicos de aprendizado de máquina, mas os pesquisadores querem investigar se abordagens quânticas poderiam trazer alguma vantagem. “Ainda estamos muito distantes de ter algo que seja melhor que os algoritmos clássicos”, explica Chaves. “Estamos na fase de prova de princípio.”
Segundo Chaves, o principal obstáculo para o avanço prático da computação quântica no Brasil é o acesso limitado aos computadores quânticos estrangeiros. Pressões políticas têm levado empresas e universidades de outros países a restringir o compartilhamento dessas tecnologias, tornando seu uso mais caro e menos acessível. Uma alternativa tem sido recorrer aos simuladores quânticos — supercomputadores clássicos capazes de simular computadores quânticos.
O principal simulador de computação quântica brasileiro é o Kuatomu, um supercomputador desenvolvido em parceria com a empresa francesa Atos. Ele está localizado no Quantum Industrial Innovation (QuIIN), o Centro de Competência em Tecnologias Quânticas da Embrapii, funcionando no campus do SENAI-CIMATEC, em Salvador, Bahia. Criado em dezembro de 2023, com um investimento de cerca de R$60 milhões do governo federal, o objetivo do QuIIN é conectar a indústria nacional às tecnologias quânticas. “No Kuatomu conseguimos simular até 35 qubits, o que permite estudar a eficiência de algoritmos quânticos e otimizá-los”, explica Valéria Loureiro da Silva, coordenadora do QuIIN.
Para simular os bits quânticos, o Kuatomu requer uma quantidade de memória muito maior do que a de um supercomputador convencional. A máquina é capaz de simular qualquer uma das principais tecnologias de computação quântica, como o anelamento quântico em supercondutores e as armadilhas de íons aprisionados. Também permite simular diferentes níveis de ruído do ambiente sobre os qubits. Todas essas variáveis ajudam a testar e aprimorar algoritmos quânticos, reduzindo o tempo necessário de uso em um computador quântico real.
A equipe do QuIIN tem utilizado o Kuatomu em projetos com diversas empresas. O setor financeiro, por exemplo, vem explorando a computação quântica para resolver problemas de otimização. Já empresas de petróleo e gás o utilizam na prospecção e simulação de compostos químicos. Em parceria com a startup brasileira de computação quântica Dobslit, o QuIIN está desenvolvendo algoritmos quânticos para prever a necessidade de manutenção de aeronaves da Embraer.
No interior de São Paulo, o físico Celso Villas-Bôas, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), coordena projetos de pesquisa em tecnologias quânticas envolvendo pesquisadores da própria UFSCar, do Instituto de Física de São Carlos da USP (IFSC-USP), da Unicamp, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade Federal do Ceará (UFC). Os projetos também contam com a colaboração do Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun — uma instituição privada voltada ao desenvolvimento de soluções tecnológicas para a indústria. Em parceria com o centro, Villas-Bôas fundou a startup de tecnologias quânticas NtropiQ.
Na área de computação quântica, o físico participa de pesquisas sobre simulação quântica de moléculas. Sua equipe na NtropiQ também desenvolve algoritmos quânticos voltados à solução de problemas industriais, como a logística de veículos e a organização de cargas em armazéns. “Conseguimos resolver melhor e mais rápido do que com um computador clássico”, afirma Villas-Bôas. “Inclusive depositamos uma patente.”
Em Recife, a física Nadja Bernardes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), contribui para o avanço da computação quântica por meio do estudo teórico das interações dos qubits com o ambiente, isto é, a decoerência dos qubits. Essa área de pesquisa é conhecida como teoria dos sistemas quânticos abertos.
Normalmente, interações aleatórias com o ambiente fazem com que a informação quântica se perca ao longo do tempo. Bernardes, porém, descobriu que nem sempre essas interações são totalmente aleatórias. Em certas condições, o ambiente pode preservar uma “memória” parcial da informação quântica.
Esse fenômeno, chamado de dinâmica não-markoviana, pode ser explorado para ajustar os protocolos de processamento de informação quântica, levando em conta o tempo de recuperação da informação pelo ambiente. Isso ajudaria a preservar as propriedades quânticas dos qubits por mais tempo. Além disso, Bernardes também aplica a teoria dos sistemas abertos no desenvolvimento de repetidores quânticos para comunicação (ver comunicação quântica) e algoritmos de aprendizado de máquina quânticos.
Outros pesquisadores também vêm perseguindo a abordagem de tentar usar a interação dos qubits com o ambiente a seu favor. “Em alguns casos, a interação pode ser explorada para melhorar as propriedades quânticas do sistema”, explica o físico Fernando Iemini, da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Em 2020, Iemini e colaboradores propuseram que, em certas condições, quando é possível controlar com precisão as interações com o meio externo, essas interações podem levar a um processo de dissipação de energia em que os qubits assumem estados quânticos imunes à perda de informação, os chamados estados escuros.
Na Unicamp, trabalha o físico Amir Caldeira, uma referência internacional nos estudos de dissipação e decoerência em sistemas quânticos — fenômenos que, além de serem fundamentais para o desenvolvimento das tecnologias quânticas, ajudam a entender a transição entre o mundo quântico e o clássico.
Na escala de tamanho atômico, da ordem de décimos de bilionésimos de metro, podemos considerar que os objetos são isolados do ambiente o suficiente para obedecerem completamente as leis da mecânica quântica. Já na escala micrométrica, da ordem de milionésimos de metros, os objetos são grandes o bastante para serem descritos pela física clássica. Mas entre a escala atômica e a micrométrica, é possível construir dispositivos, como circuitos elétricos, por exemplo, que podem apresentar características quânticas. Esses dispositivos, entretanto, sentem uma influência muito forte de seu ambiente, que ameaça constantemente suas propriedades quânticas.
No final dos anos 1970, Caldeira desenvolveu o primeiro modelo teórico capaz de responder a essa pergunta, em sua tese de doutorado, sob supervisão do físico britânico Anthony Leggett (1938- ), na Universidade de Sussex, Reino Unido. Caldeira e Leggett consideraram um circuito supercondutor microscópico, resfriado a uma temperatura próxima do zero absoluto. Nesse circuito, as linhas de fluxo do campo magnético podem saltar de um nível de energia para outro, por meio do tunelamento quântico. Os físicos demonstraram que a dissipação de energia por uma resistência elétrica no circuito faria o tunelamento desaparecer, depois de certo tempo.
O trabalho pioneiro inaugurou uma nova área de pesquisa nos anos 1980: o estudo dos sistemas quânticos dissipativos. Logo mais pesquisadores começaram a estudar circuitos supercondutores semelhantes, cujos níveis de energia poderiam ser usados para codificar informação em um código binário de zeros e uns, incluindo sobreposições quânticas de zeros e uns. Ao final dos anos 1990, esses dispositivos já eram considerados entre os mais promissores para se construir um computador quântico, dando origem aos atuais qubits supercondutores.
Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).