Comunicação quântica:
Brasil

Atualmente, o maior projeto da área no Brasil é a Rede Rio Quântica, que interliga diversos grupos de pesquisa em óptica quântica na região metropolitana do Rio de Janeiro. Em desenvolvimento desde 2021, a primeira rede quântica do país conecta, por cabos de fibra óptica, laboratórios da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), do Instituto Militar de Engenharia (IME), da UFRJ e do CBPF. Essas conexões foram viabilizadas inicialmente graças à infraestrutura da Rede Rio, uma rede de cabos de fibra óptica da Faperj instalada há cerca de 30 anos. “A Rede Rio foi construída com algumas fibras extras que foram disponibilizadas para o nosso projeto”, conta Antonio Zelaquett Khoury, físico da UFF e coordenador da Rede Rio Quântica.

Além disso, tivemos a sorte de constatar que há uma linha de visada livre entre o último andar do Instituto de Física da UFF, em Niterói, e o último andar do CBPF, do outro lado da Baía de Guanabara. Foram então construídos dois laboratórios e adquiridos lasers e telescópios para permitir o envio de sinais ópticos pelo ar entre as instituições.
Antonio Zelaquett Khoury
Físico da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador da Rede Rio Quântica

O objetivo da Rede Rio Quântica é testar diferentes protocolos de distribuição de chaves criptográficas quânticas, desenvolvendo ao máximo tecnologias nacionais. O projeto já recebeu cerca de R$7 milhões em investimentos do CNPq, Faperj, Fapesp, Finep e MCTI.

Em particular, o grupo de Khoury na UFF estuda a chamada luz espacialmente estruturada.

São feixes de luz com propriedades espaciais programadas, que podem ser usados para codificar bits quânticos. Podemos, por exemplo, formar fótons que compõem um feixe com vorticidade, uma espécie de tornado de luz, em que o fluxo de energia ocorre de forma espiral.
Antonio Zelaquett Khoury
Físico da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador da Rede Rio Quântica

Esse tipo de luz, porém, não pode ser transmitido por fibras ópticas, apenas por feixes laser que viajam pelo ar. Portanto, Khoury e seus colegas pretendem usar luz espacialmente estruturada para distribuir chaves criptográficas quânticas apenas entre a UFF e o CBPF, cruzando a Baía de Guanabara, e em outra conexão aérea semelhante, que está sendo instalada entre o CBPF e o IME.

Uma das principais dificuldades da comunicação quântica por via aérea é a chamada turbulência atmosférica — pequenas flutuações aleatórias na densidade do ar que podem distorcer a estrutura espacial de um feixe de luz. Atualmente, o físico Carlos Monken, da UFMG, realiza experimentos com fótons emaranhados para torná-los menos sensíveis aos efeitos dessa turbulência. Monken e Khoury colaboram com o objetivo de testar esse protocolo de mitigação na Rede Rio Quântica em fases futuras do projeto.

Também na Rede Rio Quântica, deve ser testado em breve um sistema de distribuição de chaves criptográficas quânticas por meio de variáveis contínuas, atualmente em desenvolvimento por pesquisadores do QuIIN. Como vimos, esses protocolos não utilizam fótons únicos como qubits, mas sim estados quânticos compostos por muitos fótons, codificados nas propriedades de fase e amplitude das ondas eletromagnéticas.

A principal vantagem desse tipo de protocolo é dispensar o uso de detectores de fótons únicos, equipamentos caros e que exigem criogenia. A desvantagem, no entanto, é que a chave criptográfica só pode ser obtida a partir de cálculos extremamente complexos, baseados nos resultados das medições, e que exigem hardware especializado.

Estamos testando novos algoritmos mais eficientes para acelerar a computação necessária no sistema de variáveis contínuas. Também estamos realizando testes com o hardware, para que o sistema consiga transmitir luz não só por fibras ópticas, mas também pelo ar.
Valéria Loureiro da Silva
Coordenadora do Quantum Industrial Innovation (QuIIN)

Segundo a pesquisadora, além do sistema de criptografia em si, é necessário desenvolver e testar suas possíveis aplicações, para que a tecnologia realmente amadureça. Uma delas, em desenvolvimento no QuIIN, é a comunicação segura entre datacenters e computadores de usuários comuns, o que exige, entre outras etapas, a simulação de redes quânticas.

Nesse projeto, a equipe do QuIIN colabora com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a UFRN, a Universidade de Aveiro, em  Portugal, que já desenvolveu seu próprio sistema de variáveis contínuas, e com a empresa finlandesa de computação quântica IQM. 

Desde 2022, outra rede quântica metropolitana vem sendo implantada no Brasil: a Rede Quântica Recife. O projeto ganhou apoio financeiro inicial de R$2,5 milhões da Fapesp, MCTI, Ministério das Comunicações e Comitê Gestor da Internet no Brasil, além de R$2,9 milhões do CNPq. Atualmente a rede conecta por cabos de fibra óptica o Departamento de Física e o Departamento de Eletrônica e Sistemas da UFPE com o Departamento de Física da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a 5 quilômetros de distância. Além disso, com um investimento recente de R$15 milhões da Finep, a rede deve ganhar até 2026 um quarto ponto, no futuro Instituto Quanta, uma instituição voltada para desenvolver tecnologias quânticas para defesa e indústria, em processo de instalação no Edifício Celso Furtado, no Parque Tecnológico da UFPE.

Todos os três locais atuais da rede são capazes de gerar fótons emaranhados e realizar medidas sobre eles. “Queremos desenvolver vários protocolos de comunicação em cima da rede, que vão além da troca de chaves criptográficas”, explica Daniel Felinto, físico da UFPE e coordenador da Rede Quântica Recife.

Em meados dos anos 2000, Felinto realizou um estágio de pós-doutorado no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Estados Unidos, no grupo do físico Jeff Kimble, o primeiro a propor o conceito de internet quântica — a ideia de conectar dispositivos quânticos à distância em redes complexas por meio de emaranhamento. Ali, Felinto participou de alguns dos primeiros experimentos que demonstraram a possibilidade de escalonar o emaranhamento em uma rede. Na época, Kimble e seus colegas conseguiram distribuir emaranhamento entre dois locais separados por três metros de distância, cada um contendo dois conjuntos de átomos frios — nuvens com um milhão de átomos resfriados até quase -273 °C e presos em armadilhas magneto-ópticas — que funcionaram como memórias atômicas.

Memórias atômicas são capazes de registrar e armazenar o estado quântico de um fóton incidente no estado quântico coletivo da nuvem de átomos, de modo que a informação sobre o estado pode ser recuperada mais tarde, quando a nuvem emite outro fóton com o mesmo estado do original. Como os processos de produção de fótons emaranhados são probabilísticos, gerando fótons ao acaso ao longo de um certo tempo, as memórias atômicas podem ser essenciais para sincronizar esses processos, guardando os estados de muitos fótons à medida que são criados, para depois poder emiti-los todos de uma vez e distribuí-los em uma rede quântica.

De acordo com Felinto, as memórias atômicas podem ser utilizadas em muitos protocolos de comunicação quântica, incluindo os protocolos de repetidores quânticos, essenciais para aumentar as distâncias da internet quântica.

Existem ainda problemas físicos que precisam ser resolvidos para escalonar emaranhamento. É um problema atual, ainda não resolvido.
Daniel Felinto
Físico da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador da Rede Quântica Recife

Um dos planos do Instituto Quanta é, até meados de 2026, utilizar uma memória atômica para gerar sete fótons simultâneos para dentro de um computador quântico fotônico de 10 qubits, que será usado para simular a dinâmica de moléculas e executar algoritmos de aprendizado de máquina. A ideia é que esse computador e sua memória também sejam conectados à Rede Quântica Recife.

Aí começaremos a discutir o processamento de informação quântica compartilhada em rede. Abriremos todo um outro horizonte.”
Daniel Felinto
Físico da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador da Rede Quântica Recife

Além de pesquisadores da UFPE, incluindo a física Nadja Bernardes, e da UFRPE, colaboram com a Rede Quântica Recife pesquisadores da UFC, USP, UFRN — incluindo o físico Rafael Chaves — e da Universidade de Concepción, no Chile. Além disso, com apoio do CNPq, Felinto também criou uma startup, a QWeb, para desenvolver protótipos de fontes de fótons emaranhados e armadilhas atômicas utilizados no projeto, até atingirem a robustez de produtos comerciais.

Enquanto isso, em São Carlos, com apoio do CNPq, Celso Villas-Bôas, da UFSCar, coordena a instalação de uma rede quântica metropolitana de cerca de 4 quilômetros, interligando por cabos de fibra óptica a UFSCar, o IFSC-USP e o Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun. O centro colabora com a UFSCar no desenvolvimento de dispositivos de criptografia quântica que poderão ser testados na rede. No IFSC-USP, o grupo dos físicos Vanderlei Bagnato e Daniel Magalhães contribui com o projeto desenvolvendo relógios atômicos para sincronizar os sinais luminosos usados nos protocolos de comunicação quântica.

Também participa da iniciativa o grupo do físico da UFSCar Márcio Daldin Teodoro, que pesquisa novas fontes emissoras de fótons únicos. Atualmente, as melhores fontes desse tipo são baseadas em pontos quânticos — pequenas estruturas nanométricas feitas de materiais semicondutores — que operam a uma temperatura de -269 °C. Essas fontes são capazes de emitir milhões de fótons por segundo, uma taxa necessária para compensar a perda inevitável de centenas de milhares de fótons ao longo de grandes distâncias em fibras ópticas. Daldin Teodoro e seus colegas estão investigando novos materiais capazes de gerar fótons únicos com a mesma taxa de fótons por segundo, mas em temperaturas menos extremas, como -195,8 °C (temperatura do nitrogênio líquido), o que pode reduzir significativamente o custo desses dispositivos.

Na UFRN, a equipe do físico Rafael Chaves realiza estudos teóricos sobre a distribuição de emaranhamento em redes quânticas.

Uma das coisas que buscamos entender é quais são as propriedades dessas redes e como elas permitem generalizar o teorema de Bel. Quando o emaranhamento é entremeado em uma rede, vários fenômenos novos emergentes surgem ali.
Rafael Chaves
Físico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

O grupo também investiga aplicações práticas em criptografia quântica e complexidade computacional. Um exemplo é o problema em que dados distribuídos em diferentes locais de uma rede quântica precisam ser enviados a um computador central para a realização de determinada tarefa. Os pesquisadores demonstraram que o uso de emaranhamento permite executar a computação transmitindo menos dados do que seria necessário em uma rede clássica.

Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).

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