O experimento da fenda dupla

O experimento da fenda dupla ilustra e ajuda a compreender muitos conceitos da mecânica quântica, como a dualidade onda-partícula e o princípio da superposição. Mas antes de descrever a versão quântica da experiência, precisamos entender primeiro como ela acontece na física clássica, primeiro com partículas e em seguida com ondas.

Imaginem uma fonte disparadora de bolinhas ou partículas. A fonte dispara as partículas contra um painel sólido, exceto por duas fendas estreitas e paralelas, a fenda 1 e a fenda 2. A espessura das fendas é suficiente para que as partículas as atravessem. Do outro lado do painel, mais a frente, existe um anteparo, onde são colocados uma série de detectores que contam quantas partículas chegam e em que posição. Quando a fenda 1 está aberta e a 2, fechada, o resultado da contagem dos detectores é um monte de partículas acumuladas bem em frente à fenda 1. Da mesma maneira, quando apenas a fenda 2 está aberta, o resultado é um monte de partículas em frente à fenda 2. Agora, se as duas fendas estiverem abertas, a distribuição dos detectores é igual à soma do monte de partículas que atravessaram a fenda 1, com o monte daquelas que passaram pela fenda 2.

O experimento se torna mais interessante quando realizado com ondas. Imaginem um tanque d’água com um mecanismo que movimenta a água regularmente, produzindo ondas na superfície com uma frequência bem definida.

Agora suponha que essas ondas encontrem o painel com as duas fendas, 1 e 2. Ao atravessarem as fendas, as ondas sofrem um fenômeno conhecido como difração, que resulta em ondas idênticas saindo do outro lado de cada uma das fendas. Assim como no experimento com partículas, à frente do painel com as fendas existe um anteparo, ao longo do qual são colocados detectores de ondas. Quando apenas a fenda 1 está aberta, os detectores registram ondas concentradas em frente à fenda 1. O mesmo acontece quando somente a fenda 2 está aberta: ondas concentradas em frente à fenda 2. Mas ao contrário do experimento com partículas, quando as duas fendas são abertas, o resultado obtido pelos detectores não é a soma de montes de ondas em frente às fendas 1 e 2. Acontece que as ondas saindo pela fenda 1 acabam se sobrepondo às ondas saindo pela fenda 2, interferindo umas com as outras. Em alguns pontos da superfície da água, as ondas se somam, enquanto em outros elas se anulam. O resultado observado nos detectores é o chamado padrão de interferência: uma série de faixas apresentando ondas, intercaladas com faixas sem nenhum movimento da água.

Agora, as coisas começam a ficar estranhas quando realizamos o experimento de fenda dupla em uma escala de tamanho muito pequena, do tamanho de átomos e moléculas, usando elétrons como “bolinhas”, como foi proposto em 1965 pelo físico norte-americano Richard Feynman e realizado por alguns grupos experimentais, entre eles o do físico japonês Akira Tonomura (1942-2012), em 1987.

Novamente, imaginem uma fonte que dispara um elétron por vez contra um painel com duas fendas, 1 e 2, e que à frente do painel é instalado um anteparo, repleto de detectores de elétrons. Primeiro suponha que apenas a fenda 1 esteja aberta. O resultado observado nos detectores é um monte de elétrons detectados em frente à fenda 1. O mesmo acontece quando somente a fenda 2 está aberta: uma concentração de elétrons detectados em frente à fenda 2. Agora, quando as duas fendas são abertas, a física clássica prevê que os detectores do anteparo registrariam uma distribuição que seria a soma de um monte de elétrons vindos da fenda 1 e outro de elétrons vindos da fenda 2. Mas não é isso o que acontece. Com ambas fendas abertas, observamos que os elétrons detectados no anteparo formam um padrão de interferência idêntico ao das ondas clássicas, mas produzido por partículas. Inicialmente, os elétrons parecem chegar ao anteparo de maneira aleatória. Mas à medida que o tempo passa, se torna claro que os elétrons só aparecem em uma série de faixas, intercaladas com faixas onde não há nenhum elétron.

Como a mecânica quântica explica isso? Os elétrons, assim como todas as partículas quânticas, podem ser descritos por uma onda, a chamada função de onda, que evolui no tempo, obedecendo à equação de Schrödinger. A partir da função de onda é possível obter, por exemplo, qual a probabilidade de um elétron ser detectado em algum lugar. Quando apenas uma das fendas está aberta, sabemos perfeitamente por onde o elétron atravessou o painel. A função de onda reflete esse conhecimento, prevendo que o elétron atravessa uma das fendas com probabilidade de 100%.

Mas quando as duas fendas estão abertas, o experimento é tal que não podemos saber por qual fenda os elétrons passaram. Lembre-se que os elétrons são partículas subatômicas e não podemos vê-los ao longo do caminho entre a fonte e os detectores. Nesse caso, a função de onda dos elétrons é uma sobreposição de duas outras funções de onda, cada uma representando uma das duas possibilidades: atravessar a fenda 1 ou a fenda 2. Essas duas ondas interferem uma com a outra, produzindo o padrão de interferência. “Na hora em que deixo essas duas possibilidades abertas, tenho uma interferência de alternativas”, explica o físico Amir Caldeira, do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Isso significa que os elétrons atravessam as duas fendas ao mesmo tempo? A verdade é que o experimento não é capaz de responder a nenhuma pergunta sobre qual fenda os elétrons passaram. Podemos até tentar modificar o experimento, colocando uma pequena fonte de luz em frente às duas fendas, de modo que o espalhamento da luz pelos elétrons indique se um deles passou pela fenda 1 ou 2. Mas quando fazemos isso, o resultado do experimento muda completamente. O padrão de interferência desaparece. No lugar dele, surge a distribuição que esperaríamos de partículas pela física clássica: a soma dos elétrons que passaram pela fenda 1, com aqueles que atravessaram a fenda 2.

Assim, além de apresentar a sobreposição quântica, o experimento da fenda dupla demonstra o fato de que, no mundo quântico, as partículas não possuem propriedades definidas antes de serem medidas. Como disse certa vez o físico Pascual Jordan, “as observações não perturbam o que é medido, elas o produzem (…). Nós compelimos [o elétron] a assumir uma posição definida.”

Em 1801, o cientista britânico Thomas Young (1773-1829) realizou o primeiro experimento de fenda dupla, usando luz. Young fez passar a luz do Sol por duas fendas estreitas e paralelas. Ele observou que a luz vinda das duas fendas formava um conjunto de faixas claras e escuras intercaladas, ou seja, um padrão de interferência. A experiência foi uma confirmação de que a luz era algum tipo de onda. Algumas décadas mais tarde, seria confirmado que a luz é uma onda eletromagnética, descrita pela teoria clássica de James Maxwell. Hoje, entendemos que as ondas eletromagnéticas são na verdade o resultado do movimento coletivo de trilhões de partículas quânticas, os fótons.

Em 2005, mais de duzentos anos depois da experiência de Young, uma equipe liderada pelo físico francês Jean-François Roch, da Escola Normal Superior de Cachan, França, publicou os resultados de uma experiência de fenda dupla realizada com uma fonte de luz muito fraca, capaz de emitir um fóton por vez. O resultado foi idêntico ao da experiência com elétrons: um padrão de interferência produzido por partículas. “É como se cada fóton “soubesse” que tem áreas onde ele não pode chegar”, diz Luiz Davidovich, professor emérito do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) . “De certa forma, o fóton sente as duas fendas e isso produz uma interferência dele com ele mesmo.”

Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).

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