Óptica quântica

A segunda geração de tecnologias quânticas depende do controle preciso de três propriedades fundamentais da mecânica quântica: a sobreposição, o emaranhamento e a decoerência. Ao longo dos anos, diversas áreas de pesquisa, como a física da matéria condensada e a física atômica, colaboraram para compreender e manipular essas propriedades. Mas talvez nenhuma outra área tenha contribuído mais do que a óptica quântica.

Óptica quântica é essencialmente o estudo das propriedades quânticas da luz e de como as partículas de luz, os fótons, interagem com a matéria, incluindo sua interação com átomos individuais. Foi a partir de experimentos de óptica quântica, por exemplo, que os pesquisadores resolveram um dos grandes problemas da história da física, o chamado paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen, ou paradoxo EPR, confirmando que apenas a mecânica quântica pode explicar o emaranhamento quântico e desenvolvendo técnicas para controlá-lo.

Em 1949, a física sino-americana Chien-Shiung Wu (1912-1997) realizou experiências pioneiras com fótons, confirmando a existência do emaranhamento. Infelizmente, o trabalho de Wu não recebeu muita atenção na época, além de seus resultados não responderem a todas as provocações suscitadas pelo paradoxo EPR.

Em 1951, o físico norte-americano David Bohm (1917-1992) se estabeleceu no Brasil, na Universidade de São Paulo, fugindo das perseguições políticas do período MaCarthista nos Estados Unidos, permanecendo aqui até 1955. No começo desse período, Bohm publicou uma série de artigos descrevendo uma nova interpretação da mecânica quântica, em resposta ao paradoxo EPR. Ele descobriu que seria possível explicar a mecânica quântica por meio de uma teoria realista, como Einstein queria, mas não local, o que desagradou Einstein profundamente. Até hoje, porém, a chamada mecânica quântica bohmiana permanece sem um experimento capaz de comprová-la.

Durante décadas, o paradoxo EPR permaneceu como uma discussão filosófica, considerada impossível de ser verificada por experimentos. Isso mudou em 1964, quando o físico irlandês John Bell (1928-1990) desenvolveu um modelo bastante geral do que seria uma teoria realista e local, contendo “elementos de realidade” ocultos, também chamados de variáveis ocultas. “Bell mostrou que as predições da teoria quântica são incompatíveis com as predições de qualquer teoria realista e local”, explica o físico Rafael Chaves, vice-diretor do Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Bell deduziu que, se as variáveis ocultas existissem, as medições de um experimento deveriam satisfazer duas desigualdades matemáticas, mais tarde conhecidas como desigualdades de Bell. Já a condição necessária para violar as desigualdades de Bell seria a existência do emaranhamento, como previsto pela mecânica quântica.

Em 1969, o físico norte-americano John Clauser (1942- ) e seus colegas descobriram que as desigualdades de Bell em sua forma original não poderiam ser testadas experimentalmente. Reformulando as desigualdades, a equipe de Clauser realizou o primeiro teste de Bell, em 1972, emaranhando pares de fótons. Curiosamente, Clauser apostou um dólar que as desigualdades de Bell não seriam violadas. Assim como Einstein, ele acreditava em uma teoria realista e local. O experimento, porém, confirmou a mecânica quântica.

Isso mostra uma característica importante de qualquer cientista. A gente tem os nossos preconceitos, mas uma vez expostos à natureza real das coisas, temos de, se for o caso, mudar de ideia
Rafael Chaves
Vice-diretor do Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Entre 1981 e 1982, o físico francês Alain Aspect (1947- ) conseguiu realizar experimentos mais precisos que os de Clauser, confirmando a violação das desigualdades de Bell. Ao longo das décadas seguintes, até 2015, vários grupos experimentais, em especial o do físico austríaco Anton Zeilinger (1945 – ), desenvolveram testes de Bell cada vez mais precisos e sofisticados, cujos resultados não deixam dúvida: o emaranhamento existe e só a mecânica quântica pode explicá-lo.

“As desigualdades de Bell são um instrumento importante para testar o grau de emaranhamento dos estados quânticos”, explica o físico Carlos Monken, do Instituto de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Monken pesquisa o comportamento de fótons emaranhados e nos anos 1990 foi o primeiro brasileiro a participar de experimentos de violação de desigualdades de Bell, no grupo do físico norte-americano Leonard Mandel (1927-2001), na Universidade de Rochester, Estados Unidos.

A óptica quântica também contribuiu para o entendimento do fenômeno da decoerência quântica. O estudo teórico da decoerência deslanchou no início dos anos 1980, a partir de trabalhos do físico americano-polonês Wojciech Zurek (1951- ). Em 1996, apareceram as primeiras demonstrações experimentais da decoerência. Na França, a equipe do físico francês Serge Haroche (1944- ), incluindo seu colaborador brasileiro, Luiz Davidovich, observou o desaparecimento do padrão de interferência criado por alguns fótons em uma sobreposição de estados, dentro de uma cavidade de espelhos.

Quase simultaneamente, nos Estados Unidos, o físico norte-americano David Wineland (1944- ) e seus colegas registraram o padrão de interferência de um átomo ionizado preso por campos eletromagnéticos, criado pela sobreposição de estados do átomo em duas posições diferentes, sumir depois de algum tempo. Nos anos 2000, experimentos com fótons do grupo de Davidovich, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostraram que o emaranhamento é ainda mais frágil que a sobreposição, desaparecendo em um tempo menor.

Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).

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