O estudo teórico da óptica quântica foi introduzido no país no início do anos 1970, pelo físico brasileiro Herch Moysés Nussenzveig (1933-2022). Na década de 1990, os grupos do físico Carlos Monken, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e do físico Luiz Davidovich, na UFRJ, realizaram os primeiros experimentos brasileiros com emaranhamento de fótons. Desde então, dezenas de novos grupos de óptica quântica foram criados em todo o país (veja nosso mapa interativo). Destacamos aqui apenas uma pequena amostra das pesquisas brasileiras nessa área, que podem ter aplicações em várias das novas tecnologias da Segunda Revolução Quântica.
Desde os anos 1990, o grupo do físico Carlos Monken, na UFMG, vem realizando uma série de experimentos com pares de fótons emaranhados. Em um de seus primeiros trabalhos, Monken e colegas investigaram um fenômeno de interferência quântica em que dois fótons emaranhados atravessavam, cada um, uma parte diferente de um arranjo experimental semelhante a uma fenda dupla “desmontada” — composta por uma fenda larga e um obstáculo. Cada fóton interagia com um desses elementos, e a detecção conjunta revelava um padrão de interferência típico de uma fenda dupla tradicional. “Um experimento muito bonito”, diz Monken. Em outra de suas primeiras experiências, a equipe mostrou que um par de fótons emaranhados no comprimento de onda infravermelho pode, sob certas circunstâncias, se comportar como se fosse uma “molécula de luz”, combinado-se para formar um único fóton de energia mais alta, com comprimento de onda ultravioleta.
Mais recentemente, Monken colaborou com a equipe do físico Ado Jório, também da UFMG, na descoberta de um novo processo para gerar pares de fótons emaranhados por meio de um fenômeno conhecido como espalhamento Raman. Nesse processo, quando fótons interagem com certos materiais, podem trocar energia com pequenas vibrações da rede atômica, chamadas de fônons. Essa interação, mediada pelos fônons, pode gerar emaranhamento entre dois fótons, formando pares com propriedades distintas daquelas produzidas por outros métodos. Uma dessas diferenças é a possibilidade de controlar com precisão o emaranhamento na energia dos fótons, por meio das características da rede atômica do material.
Enquanto isso, em São Paulo, o laboratório da Universidade de São Paulo (USP), coordenado pelos físicos Paulo Nussenzveig e Marcelo Martinelli, investiga as propriedades quânticas da luz em três tipos diferentes de sistemas. Um deles envolve os chamados cristais não lineares. Diferentemente do que ocorre em materiais como o vidro, a propagação da luz nesses cristais depende fortemente das características da luz incidente. Para cada tipo de luz, o cristal responde de forma diferente. Em certas condições, um único fóton que entra no cristal pode ser convertido em dois fótons emaranhados. Esse fenômeno é explorado em um dos métodos mais comuns para gerar emaranhamento entre fótons. Em 2009, uma equipe do laboratório utilizou esse sistema para produzir emaranhamento entre três fótons com comprimentos de onda diferentes. Mais recentemente, os pesquisadores conseguiram realizar o teletransporte de estados quânticos entre fótons de diferentes comprimentos de onda. Ambos avanços têm possíveis aplicações no desenvolvimento da chamada internet quântica (veja comunicação quântica).
O segundo tipo de sistema estudado pelo grupo de Nussenzveig e Martinelli são células contendo vapores atômicos — o mesmo sistema utilizado em magnetômetros atômicos (veja sensores quânticos). “Os átomos têm uma resposta não linear que exige frequências de luz muito precisas”, explica Nussenzveig. Para realizar essas pesquisas, Martinelli precisou inventar uma nova fonte de luz laser com a precisão necessária, o que deu origem a uma patente. Em 2022, os pesquisadores usaram uma célula com átomos de rubídio para produzir dois pares de feixes de luz emaranhados em suas fases e intensidades, cada um com um comprimento de onda distinto. A vantagem desse sistema está nos comprimentos de onda da luz emitida, próximos dos utilizados em outras plataformas de tecnologias quânticas, como átomos frios e íons aprisionados.
O grupo da USP também estuda estruturas que guiam a luz dentro dos chamados circuitos nanofotônicos. As estruturas nesses circuitos, esculpidos em escala nanométrica em chips de silício, possuem propriedades não lineares que permitem explorar os efeitos quânticos da luz. A pesquisa busca desenvolver mecanismos para transmitir informação quântica entre diferentes regiões de um possível processador quântico (veja computação quântica), com potencial de integração à tecnologia de microeletrônica convencional.
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o grupo do físico Antonio Vidiella-Barranco trabalha com modelos teóricos da interação entre luz e matéria, incluindo o desenvolvimento de métodos alternativos para a geração de novos tipos de luz. Há vinte anos, o grupo foi pioneiro no Brasil em propor protocolos de distribuição quântica de chaves criptográficas baseados em variáveis contínuas. Entre os sistemas mais estudados pela equipe estão nuvens de átomos no interior de cavidades ópticas — estruturas compostas por espelhos capazes de aprisionar luz com baixas perdas.
Em 2022, por exemplo, Vidiella-Barranco e Clóvis Corrêa Júnior estudaram teoricamente uma nuvem de átomos e luz dentro de uma cavidade óptica com um espelho móvel oscilante, interligada a um circuito elétrico.
Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).