Sensoriamento quântico

A arte de construir sensores quânticos está em transformar uma grande dificuldade em uma excelente oportunidade. Como vimos nas seções anteriores, observar e controlar fenômenos quânticos em laboratório pode ser extremamente desafiador. A inevitável interação com o ambiente tende a destruir estados frágeis, como a sobreposição e o emaranhamento.

Se esses sistemas são tão afetados por propriedades do ambiente, é porque eles estão sondando o ambiente com sensibilidade única. Podemos, então, desenvolver sensores quânticos para monitorar propriedades do ambiente indetectáveis para os sensores clássicos.
Paulo Nussenzveig
Professor do Instituto de Física da USP e pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo

Um dos primeiros tipos de sensores quânticos a serem desenvolvidos comercialmente foram os gravímetros. Gravímetros são instrumentos capazes de medir a aceleração da gravidade na superfície da Terra com altíssima precisão. Pequenas variações nesse valor podem indicar a presença de água subterrânea, minérios ou petróleo, além de obterem informações importantes sobre o subsolo, para levantamentos geológicos, monitoramento ambiental e engenharia civil. 

Até recentemente, os instrumentos mais precisos eram os gravímetros absolutos de interferometria óptica, que funcionam de acordo com a física clássica e medem a gravidade com precisão de até oito casas decimais após a vírgula. Por serem grandes e delicados, esses dispositivos costumam ser usados apenas em pontos fixos para calibrar equipamentos mais portáteis, como os gravímetros de mola, que são menos precisos e medem apenas variações relativas da gravidade.

Em 2018, a empresa francesa Muquans lançou o Absolute Quantum Gravimeter (AQG), o primeiro gravímetro quântico móvel. Desde então, outras empresas desenvolveram modelos semelhantes, baseados na técnica de interferometria atômica. Esses instrumentos medem a aceleração da gravidade de forma absoluta, usando lasers para manipular e observar um conjunto de átomos frios em queda livre. Os átomos são preparados em um estado de sobreposição quântica que gera um padrão de interferência extremamente sensível à ação da gravidade. Em condições ideais de laboratório, os gravímetros quânticos podem alcançar precisões da ordem de nove casas decimais após a vírgula.

Em campo, os gravímetros quânticos móveis apresentam uma precisão comparável à dos gravímetros ópticos, mas com a vantagem de serem mais portáteis e estáveis. Por isso, esses instrumentos podem ser utilizados em diversas aplicações além da geofísica e da engenharia civil. Na arqueologia, por exemplo, ajudam a localizar estruturas enterradas de antigas civilizações, sem necessidade de escavação. Já na agricultura de precisão, podem monitorar propriedades do solo, como umidade e compactação.

Semelhantes aos gravímetros, os acelerômetros quânticos utilizam a interferometria atômica para medir a aceleração de um corpo em movimento com precisão extrema. Sua sensibilidade pode ser de 100 mil a 1 milhão de vezes maior do que a dos acelerômetros comuns, como os usados em smartphones. A principal aplicação desses dispositivos está na chamada navegação inercial, que calcula continuamente a posição de um avião, navio ou submarino a partir de medições de aceleração, sem depender do sistema GPS, o que garante o sigilo da trajetória. Em 2023, pesquisadores do Imperial College de Londres testaram um acelerômetro quântico a bordo de um navio da Marinha Real Britânica.

Os sensores quânticos também têm se destacado na medicina. Desde os anos 1980, pesquisadores vêm desenvolvendo máquinas de magnetoencefalografia (MEG), capazes de medir os campos magnéticos extremamente fracos gerados pela atividade dos neurônios no cérebro. Essas máquinas registram o funcionamento cerebral com uma resolução temporal de milissegundos — mil vezes melhor que a da ressonância magnética funcional (fMRI). Elas funcionam com dispositivos supercondutores de interferência quântica, conhecidos pela sigla em inglês SQUIDs. Nesses dispositivos, pares de elétrons supercondutores formam padrões de interferência sensíveis a campos magnéticos da ordem de um femto Tesla — cerca de 50 trilhões de vezes mais fracos que o campo de um ímã de geladeira. As máquinas de MEG baseadas em SQUIDs, no entanto, são caras, ocupam salas inteiras e exigem resfriamento criogênico a -269 °C. No mundo, existem pouco mais de 100 unidades em operação.

Em 2018, uma equipe liderada pelo físico Matthew Brookes, da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, apresentou um novo tipo revolucionário de MEG, com magnetômetros atômicos — pequenos dispositivos desenvolvidos pela empresa norte-americana QuSpin, do tamanho de uma peça de Lego e que funcionam em temperatura ambiente. Dentro de cada um deles, há uma célula contendo um vapor de átomos de rubídio. Esses átomos têm os spins de seus elétrons alinhados por um feixe de laser. Quando expostos a um campo magnético, os spins começam a precessionar, girando como um pião, o que altera a interação dos átomos com um segundo feixe de luz. Isso permite medir o campo magnético com precisão comparável à dos SQUIDs. “Os átomos são como pequenas antenas, muito sensíveis a interações com o meio ambiente”, explica o físico Hans Marin Florez, do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Esses magnetômetros atômicos podem ser instalados em capacetes feitos por impressão 3D, personalizados para cada paciente, permitindo que fiquem bem próximos ao couro cabeludo, aumentando a sensibilidade à atividade cerebral. Assim, diferentemente da MEG com SQUIDs — que só pode ser usada em adultos e a uma certa distância do cérebro —, a MEG com magnetômetros atômicos pode ser usada em pacientes de todas as idades, inclusive crianças. Isso permite acompanhar, pela primeira vez, como a atividade cerebral evolui ao longo da infância e da adolescência. Médicos já vêm utilizando esses equipamentos para estudar condições como epilepsia, esquizofrenia e a doença de Alzheimer.  

Os magnetômetros atômicos também possuem outras aplicações além da medicina. É possível usá-los para gerar imagens por ressonância magnética do interior de objetos sólidos, incluindo componentes industriais. Essa técnica vem sendo usada, por exemplo, para detectar defeitos de fabricação na estrutura interna de baterias de lítio, sem a necessidade de usar raios X, que estragam as baterias.

Outra aplicação dos magnetômetros atômicos é na comunicação em ambientes onde as ondas de rádio são fortemente atenuadas, como debaixo da terra ou no fundo do mar. Nesses meios, os sinais de rádio convencionais perdem rapidamente sua intensidade, dificultando a comunicação. Já os campos magnéticos de baixa frequência conseguem se propagar por distâncias muito maiores, e os magnetômetros atômicos são sensíveis o suficiente para detectar esses sinais fracos, possibilitando uma nova forma de comunicação.

Entre os sensores quânticos usando átomos, também se destacam os que utilizam átomos de Rydberg — átomos em que o elétron de maior energia se encontra muito afastado do núcleo atômico, tornando-os extremamente sensíveis à presença de campos elétricos e magnéticos externos. Esses campos alteram os níveis de energia dos átomos, o que permite sua detecção por técnicas de espectroscopia. Com átomos de Rydberg é possível construir sensores para detectar campos elétricos de alta frequência, para comunicação subterrânea ou submarina, além do uso promissor em navegação inercial, medindo variações no ruído eletromagnético de fundo do ambiente. Pesquisas também investigam o uso desses átomos para gerar imagens baseadas em campos magnéticos, incluindo técnicas semelhantes à MEG.

Outra plataforma promissora para sensores quânticos é a dos diamantes com centros nitrogênio-vacância (NV). Um centro NV é um defeito na rede cristalina do diamante, em que um átomo de carbono é substituído por um átomo de nitrogênio e um átomo de carbono vizinho é removido, criando uma vacância. Esse defeito abriga um spin eletrônico que pode ser manipulado com lasers, colocando-o em um estado de superposição quântica sensível ao ambiente. O centro NV emite luz cuja intensidade e características dependem do estado do spin, permitindo medições extremamente precisas de campos elétricos, campos magnéticos, pressão e temperatura.

Os centros NV se destacam em medições de altíssima resolução em escalas microscópicas. Com eles, é possível, por exemplo, mapear os campos magnéticos em microchips para diagnosticar seu funcionamento de forma não invasiva, monitorar a atividade elétrica de um único neurônio e até realizar imagens por ressonância magnética de uma única molécula.

Esses sensores também estão sendo explorados em áreas como medicina e engenharia de materiais. Pesquisas ainda em estágio experimental investigam o uso dos centros NV para monitorar, em tempo real, sinais vitais como batimentos cardíacos e oxigenação sanguínea, por meio da detecção de minúsculos campos magnéticos e variações de temperatura gerados pelo corpo humano. Na indústria, centros NV também vêm sendo aplicados no estudo de propriedades dos materiais com precisão nanométrica.

Embora o uso de propriedades quânticas em novas tecnologias para melhorar a sensibilidade de medições seja um fenômeno recente, a física já se vale da mecânica quântica há décadas para tornar seus instrumentos mais precisos. Trata-se, na verdade, de toda uma área de pesquisa conhecida como metrologia quântica. Nos últimos anos, essa abordagem se tornou tão fundamental que todos os padrões do Sistema Internacional de Unidades — como o segundo, o metro e o quilograma — deixaram de ser definidos por objetos físicos macroscópicos e passaram a se basear em propriedades atômicas. O segundo, por exemplo, é definido como a duração de 9.192.631.770 períodos da radiação emitida por uma transição entre dois níveis hiperfinos do estado fundamental do átomo de césio-133.

Uma das contribuições mais bem-sucedidas da metrologia quântica foi o desenvolvimento da chamada luz comprimida. Toda luz carrega um certo ruído natural — pequenas flutuações imprevisíveis que limitam a precisão de instrumentos como interferômetros a laser. Esse limite é conhecido como limite quântico padrão. Na luz comum, o ruído afeta igualmente duas de suas variáveis fundamentais: a fase e a amplitude. No entanto, segundo o princípio da incerteza de Heisenberg, é possível “apertar” ou comprimir esse ruído em uma das variáveis, desde que o ruído na outra aumente proporcionalmente. A luz comprimida explora esse princípio para reduzir o ruído em uma variável específica, permitindo medições muito mais precisas do que seria possível com luz comum.

O conceito foi proposto em 1981, pelo físico norte-americano Carlton Caves (1950-), que sugeriu o uso de luz comprimida para aumentar a sensibilidade do então futuro Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (LIGO). Em operação desde 2015, o LIGO detecta ondas gravitacionais geradas por colisões de buracos negros e estrelas de nêutrons, medindo variações minúsculas no comprimento de seus dois braços por meio de feixes de laser. Com a injeção de luz comprimida na fase, o LIGO consegue registrar alterações de comprimento da ordem de 10 mil vezes menores que o diâmetro de um próton. Além do LIGO, a luz comprimida vem sendo usada para aumentar a sensibilidade de diversos sensores quânticos e dispositivos ópticos de medição.

Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).

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