Sensoriamento quântico:
Brasil

No Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), o grupo liderado pelo físico Philippe Courteille vem desenvolvendo novas estratégias para aumentar a precisão dos gravímetros quânticos. Esses instrumentos utilizam átomos frios preparados em estados de superposição quântica, que geram padrões de interferência extremamente sensíveis à aceleração da gravidade. Um dos problemas dos modelos atuais é que o laser usado para medir esse padrão destrói o estado quântico dos átomos. Por isso, é necessário repetir o procedimento milhares de vezes com novos conjuntos de átomos, a fim de reconstituir a trajetória de sua queda livre e obter uma estimativa precisa da gravidade.

Para contornar esse problema, Courteille e seus colegas projetaram um novo tipo de gravímetro quântico, atualmente em fase experimental. A peça central do instrumento é uma nova cavidade óptica que permite monitorar o movimento dos átomos em tempo real, sem destruí-los. Dentro da cavidade, formada por três pequenos espelhos, os átomos frios oscilam para cima e para baixo sob a ação de uma onda de luz estacionária gerada por dois feixes laser. A própria cavidade ajuda a estabilizar essas oscilações, protegendo-as contra ruídos externos. Um terceiro laser, que não interfere no estado quântico dos átomos, permite registrar mais de 10 mil oscilações consecutivas, medindo com alta precisão sua frequência, diretamente relacionada à aceleração gravitacional.

Na UFRJ, a equipe liderada pelo físico Luiz Davidovich vem dando contribuições importantes para melhorar a precisão de medições por meio de propriedades quânticas. Desde o início de sua carreira científica, nos anos 1970, Davidovich se dedica a estudar a influência do ambiente sobre sistemas quânticos. Na década de 1990, o físico brasileiro colaborou com a parte teórica de experimentos conduzidos pelo francês Serge Haroche, que demonstraram, pela primeira vez, como o ambiente pode levar ao desaparecimento de estados de sobreposição quântica de fótons em uma cavidade óptica. Já nos anos 2000, o grupo de Davidovich realizou uma série de experimentos demonstrando como o emaranhamento de fótons desaparece com o tempo devido à interação com o ambiente.

Em 2011, Davidovich e seus colegas apresentaram uma nova teoria para a metrologia quântica de sistemas abertos, isto é, sistemas em interação com o ambiente. Até então, a metrologia quântica — a ciência que utiliza propriedades quânticas para realizar medidas com a melhor precisão possível — dispunha de uma teoria geral apenas para sistemas perfeitamente isolados. A equipe de Davidovich estendeu essa teoria para incluir os efeitos do ambiente na estimativa de incertezas nas medições. “Mostramos como tratar esses sistemas em contato com o ambiente e assim fazer metrologia quântica com eles”, explica.

Desde então, o grupo vem aplicando a teoria a diferentes sistemas. Um deles é o interferômetro — um instrumento em que a luz percorre dois caminhos diferentes refletidos por espelhos, reencontrando-se depois para interferir, criando padrões que revelam pequenas variações nos trajetos. Davidovich e seus colaboradores mostraram como estimar da melhor forma possível o valor de uma pequena rotação em um dos espelhos do sistema. “Usando meios quânticos, conseguimos uma precisão melhor que qualquer medida clássica”, afirma.

Outro problema investigado por meio da metrologia quântica de sistemas abertos é a absorção de luz por certos materiais, como células biológicas. Avaliar quais frequências de luz são mais ou menos absorvidas pode revelar propriedades importantes da célula. No entanto, aumentar a intensidade da luz para melhorar a precisão da medida pode danificar a célula. Uma alternativa é usar dois feixes de luz emaranhados: um deles atravessa a célula, o outro não. Ambos são medidos simultaneamente.

Mostramos que a precisão da estimativa da absorção pode ser muito maior do que a obtida com um único feixe atravessando a célula sem emaranhamento. O outro feixe, que passa por fora, ajuda a estimar a absorção.
Luiz Davidovich
Professor emérito do Instituto de Física da UFRJ e distinguished fellow do Instituto para Ciência e Engenharia Quânticas, da Universidade do Texas A&M, Estados Unidos. Davidovich também foi presidente da Academia Brasileira de Ciências, de 2016 a 2022

Também na UFRJ, a física Gabriela Barreto Lemos, especialista em óptica quântica, desenvolve, entre outras pesquisas, novos métodos para geração quântica de imagens. Em 2014, quando trabalhava no grupo do físico Anton Zeilinger, na Universidade de Viena, na Áustria, Lemos demonstrou uma técnica inovadora que permite formar imagens de um objeto sem detectar os fótons que interagem diretamente com ele. A técnica utiliza pares de fótons emaranhados: um dos fótons do par interage com o objeto, enquanto o outro, que não interage, é detectado por uma câmera. Graças ao emaranhamento, os fótons detectados retêm informações sobre o estado dos fótons que passaram pelo objeto, permitindo a reconstrução da imagem.

Em 2020, porém, Lemos e seus colegas mostraram que a resolução espacial das imagens geradas por esse método depende da energia dos fótons não detectados que interagem com a amostra. Portanto, fótons não detectados de menor energia resultam em imagens de menor resolução. Desde 2014, no entanto, pesquisadores ao redor do mundo vêm desenvolvendo novas variantes da técnica com fótons não detectados de Lemos, com novas aplicações tanto para formação de imagens quanto para espectroscopia.

O emaranhamento nos permite criar experimentos qualitativamente diferentes daqueles possíveis apenas com a física clássica. Ele aumenta nossa capacidade criativa, permitindo sonhar em novas direções. Mas nem sempre o emaranhamento é o responsável pela sensibilidade maior da metrologia quântica. O mesmo vale para a geração quântica de imagens. Parte importante do que estudamos é determinar em que situações essas imagens são mais interessantes para aplicações, como em biologia ou para diagnóstico médico, do que imagens geradas usando apenas recursos clássicos. Daí a importância de, daqui para frente, começar a formar biólogos e engenheiros quânticos.
Gabriela Lemos
Física do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Em Niterói, na UFF, o físico Fernando Iemini estuda teoricamente uma nova fase da matéria chamada cristal temporal.

Temos trabalhado em como utilizar os cristais temporais como relógios e sensores quânticos, que poderiam ter uma performance melhor do que sistemas clássicos e até outros sistemas quânticos”
Fernando Iemini
Físico na Universidade Federal Fluminense (UFF)

A existência dos cristais temporais foi proposta em 2012 pelo físico norte-americano Frank Wilczek (1951- ). Assim como os átomos dos cristais convencionais se organizam em estruturas ordenadas que se repetem no espaço, os cristais temporais apresentam uma estrutura que se repete tanto no espaço quanto no tempo: seus átomos realizam um movimento periódico coletivo. Nesse tipo de cristal, cada átomo está fortemente correlacionado com os demais por meio do emaranhamento quântico, o que sincroniza seus movimentos. O emaranhamento também torna essa oscilação mais robusta, resistente a perturbações e imperfeições. “Os átomos tendem a reorganizar sua dinâmica para estabilizar o movimento síncrono”, explica Iemini.

Relógios atômicos convencionais funcionam explorando a dinâmica periódica altamente precisa de átomos individuais. No entanto, as medições de frequência são feitas em coleções de átomos que oscilam de maneira independente, sem sincronia entre si. Já nos cristais temporais, a sincronicidade natural dos átomos permitiria construir relógios quânticos ainda mais precisos. “Além disso, o tempo de coerência de um cristal temporal é muito maior do que o de relógios atômicos usuais”, diz o físico.

Esses sistemas também poderiam ser usados como sensores de campos elétricos e magnéticos oscilantes, ou até mesmo de ondas gravitacionais. Isso porque sua dinâmica periódica interna é extremamente sensível à presença de campos externos com frequências próximas, entrando em ressonância com eles. Essa resposta permite extrair informações sobre o campo com precisão superior à de sensores clássicos.

Desde 2017, diversos grupos experimentais ao redor do mundo conseguiram criar cristais temporais em laboratório, utilizando diferentes plataformas, como íons aprisionados, qubits supercondutores e centros NV em diamantes. A pesquisa para utilizá-los como relógios quânticos ainda está em estágio inicial, mas já existem experimentos demonstrando o potencial dos cristais temporais como sensores de campos oscilantes, com a precisão prevista por modelos teóricos. Iemini ressalta, no entanto, que um dos principais desafios é aumentar o número de átomos nos cristais temporais obtidos experimentalmente, algo fundamental para ampliar a precisão de sensores e relógios baseados neles.

Reportagem: Igor Zolnerkevic (ICTP-SAIFR);
Revisão: Ana Luiza Serio (ICTP-SAIFR), Larissa Takeda (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Gustavo Wiederhecker (UNICAMP), Marcelo Terra Cunha (UNICAMP);
Edição: Victoria Barel (ICTP-SAIFR).

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