Um mergulho na ciência da complexidade

No meio do seu sono você começa a ouvir um bip, bip, bip. É o seu despertador te chamando para mais um dia de trabalho. Aos poucos, você começa a distinguir outros sons característicos da cidade: alguns pássaros, carros e buzinas, pessoas conversando e gritando umas com as outras. Você gira na cama para desligar o despertador e aproveita para olhar rapidamente as manchetes do dia e algumas postagens nas suas redes sociais.

No ônibus, sua atenção é desviada do fluxo constante de informações do celular para vislumbrar um curioso padrão no céu, formado por pássaros voando em bando. Por um breve momento você toma consciência de tudo a sua volta: o engarrafamento, a quantidade de pessoas indo para destinos inimagináveis, os incontáveis textos, vídeos e fotos que circulam incessantemente na internet, até mesmo a coceira na garganta, um lembrete de uma gripe recente. Tudo parece extremamente aleatório mas, de alguma forma, também parece estar conectado. Seria possível existir algo em comum entre um coletivo de pássaros voando no céu, o tráfego de carros, pessoas e redes sociais e o nosso sistema imunológico?

A resposta é sim! Tudo isso são exemplos de algo conhecido como sistemas complexos.

Os sistemas complexos são caracterizados por serem dinâmicos e sensíveis. Pequenas perturbações podem alterar a forma como um determinado sistema funciona ou fazer emergir um novo comportamento. O comportamento emergente é uma das características básicas para entender esse tipo de sistema. Comportamentos emergentes são aqueles que só se tornam possíveis a partir da interação entre os componentes de um sistema, e que seria impossível caso eles estivessem separados. Ou seja, são padrões de comportamento coletivo.

Voltemos para o exemplo dos padrões formados por pássaros: 

Imagine que você está sentado em um parque e começa a ver o vôo sincronizado de um bando de pássaros, em um momento estão indo em uma direção, depois seguem na direção oposta. O bando sobe um pouco, para logo descer. O movimento é tão organizado que até parece que o grupo tem um líder, determinando quais movimentos têm que ser feitos. Mas não é isso que acontece, o grupo de pássaros consegue se auto-organizar, não existe nenhum líder. E a situação fica ainda mais curiosa: se você tentar analisar os movimentos de apenas um ou dois pássaros, não é possível ver os sofisticados padrões criados por todo o bando, parece até que, individualmente, os pássaros não estão seguindo nenhum rumo específico.

Esse é um ponto-chave quando falamos de sistemas complexos: não é possível analisar um sistema olhando apenas para partes individuais, para um componente só. É apenas olhando para o grupo inteiro de pássaros que vamos conseguir começar a compreender o comportamento emergente daquele sistema, analisar seus padrões e aprender sobre seu funcionamento.

Existem sistemas complexos nas mais diversas esferas: do clima terrestre ao sistema imunológico, eles estão presentes e são foco de estudo das mais diversas áreas. Sociologia, Biologia, Ciências da Computação, Neurologia, Oceanografia, são apenas alguns dos campos que estudam sistemas complexos, na expectativa de compreender seu funcionamento e conseguir fazer previsões.

Por anos, o estudo de sistemas complexos permaneceu isolado em cada área, entretanto, cada vez mais elas têm se encontrado, trocando conhecimentos, de maneira que, atualmente, este é um campo extremamente interdisciplinar. Quais podem ser as contribuições da física para o estudo de sistemas que não são intrinsecamente físicos?

Não é incomum na história da física que generalizações e equações de uma teoria sejam usadas por “empréstimo” em outra completamente diferente. Apesar disso, utilizar ferramentas da física para pensar objetos de outros campos de estudo é algo que só se tornou comum nas últimas décadas, e tem tudo a ver com o potencial interdisciplinar do campo dos sistemas complexos, como explica o físico Constantino Tsallis, pesquisador emérito do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF):

A física, nas últimas décadas, tem entrado em um território que para ela é inabitual e a ferramenta de preferência para estudar essa complexidade é, justamente, a Mecânica Estatística.
Constantino Tsallis
Pesquisador no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)

A mecânica estatística é uma área da física que utiliza teoria de probabilidades para explicar sistemas físicos compostos por um grande número de elementos. Tsallis destaca que sua contribuição para o estudo dos sistemas complexos se dá “pela sua característica de relacionar níveis de descrição diferentes e conectá-los a expressões matemáticas tão precisas e exatas quanto possível”. A probabilidade também é uma aliada nos estudos de sistemas complexos, pois permite que se faça suposições mais ou menos plausíveis sobre o comportamento de um determinado sistema.

Além disso, a física também tem contribuído por meio do uso de modelos e simulações computacionais, que ampliam as possibilidades de estudos dos mais diversos sistemas complexos. Uma simulação computacional permite emular um experimento em condições ideais, isto é, reproduzir o comportamento de um modelo matemático predefinido com total controle dos parâmetros que governam seu comportamento. Os resultados podem, depois, ser comparados com dados coletados do sistema real. A combinação de dados coletados diretamente dos sistemas e de dados gerados em modelos cria uma dinâmica de apoio mútuo, que permite aos cientistas conhecer em mais profundidade alguns sistemas. Na previsão do tempo em um modelo meteorológico, por exemplo, os acertos e erros de previsão em um dado ano, alimentam o modelo anterior e podem melhorá-lo para que, no ano seguinte, haja menos erros de previsão.

Conheça o pesquisador Constantino Tsallis:

Para tentar cobrir diferentes áreas da cooperação entre física e outras disciplinas no estudo de sistemas complexos, elaboramos quatro blocos  dedicados a subáreas específicas do campo, nos quais também será apresentado um panorama de algumas pesquisas realizadas no Brasil. A próxima parte da reportagem é dedicada  ao prêmio Nobel de Física de 2021, que reconheceu pesquisadores que trabalham com sistemas complexos. O bloco seguinte, “Evolução e Ecologia” explora os encontros entre física e os estudos de evolução, dinâmicas de populações e ecologia. O terceiro bloco aborda as contribuições da física para o campo da epidemiologia, assunto que ganhou muita atenção durante a pandemia.  Por fim, encerramos esse especial com um bloco sobre as contribuições da física para a pesquisa de sistemas sociais, o que envolve metodologias inovadoras e a aproximação da física com as ciências sociais.

Reportagem: Ana Luiza Sério (ICTP-SAIFR), Malena Stariolo (ICTP-SAIFR), Yama Chiodi (ICTP-SAIFR);
Consultoria Científica: Daniel Stariolo (IF-UFF);
Edição: Malena Stariolo (ICTP-SAIFR).

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